Sobre livros e sites

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Vocês sabiam que o primeiro gol da história do Fluminense foi marcado por Horácio da Costa Santos (na vitória de 8 a 0 sobre o Rio FC em outubro de 1902) aos cinco minutos do primeiro tempo? Pelo menos é isso que afirma o Fluzao.info, sítio de estatísticas do Flu com fichas de todos os jogos da história do clube. E se eu disser para vocês que essa é uma informação inteiramente fabricada, que nos primórdios do futebol carioca tempos de gols sequer eram anotados e consequentemente muito menos publicados? Infelizmente esse é apenas um dos dezenas de tempos de gols inventados publicados nesse sítio que tem sido referência para o torcedor tricolor nos últimos 15 anos. A inventividade desse sítio, entretanto, não para por aí. Ele funciona mais ou menos assim: não existem registros da escalação do Flu em uma determinada partida? Sem problema, repete-se a escalação do jogo anterior. Desconhece-se a autoria dos gols de um confronto? Ok, atribui-se os gols a um jogador aleatoriamente e problema resolvido. Não se conhece o nome completo de um árbitro, como por exemplo o inglês “R. L. Todd” que apitou jogos do Tricolor no começo do século passado? Fácil de resolver. O “R” com certeza é “Robert” e o “L” pode ser... vamos ver... que tal “Lindsay”? Eu fico imaginando o que passa pela cabeça de um indivíduo que perde horas inventando informações, provavelmente julgando-se super esperto, sem qualquer tipo de constrangimento em estar divulgando informações falsas. Eu gosto de acreditar, entretanto, que o autor do sítio não é essa pessoa. Que ele apenas foi ingênuo, repassando informações que lhe foram enviadas por algum idiota sem se dar ao trabalho de checá-las.

Pois bem, a cerca de um ano foi publicado um almanaque com fichas de todos os jogos do Tricolor que elevou esse nível de desinformação a um novo patamar. Eu nem sei por onde começar. Por um misto de pesquisa mal feita e falta de inteligência, o livro contém temporadas inteiras de treinadores errados, um mesmo treinador dirigindo dois jogos distintos que ocorreram ao mesmo tempo em lugares diferentes (uma impossibilidade física), clubes com nomes que sequer existiam quando enfrentaram o Fluminense, diversos pares de jogadores de mesmo nome que os autores consideram como se fosse uma só pessoa, nomes e datas de supostos jogadores (pescados de sites de genealogia e de registros on-line sem qualquer preocupação em serem averiguados) que são na verdade de indivíduos sem qualquer relação com o Fluminense, alguns até, pela data de nascimento, crianças quando supostamente teriam defendido o clube de Laranjeiras (o que aparentemente não acendeu um sinal de alerta na cabeça dos autores). Não me surpreenderia se eles afirmassem que o atacante John Kennedy faleceu em Dallas em 1963. É mais ou menos esse o nível de pesquisa desse livro. Confesso que não pude fazer uma análise mais detalhada, pois só tive o livro em mãos por cerca de trinta minutos, mas imagino que os erros não parem por aí. Talvez se os autores tivessem se dado ao trabalho de pesquisar em todas as fontes existentes, em especial nos jornais disponíveis no sítio da Biblioteca Nacional, em vez de sair copiando informações de outros sítios e pesquisadores eles não teriam produzido tantos disparates. Divulgar informações erradas é sempre ruim, ainda mais em um livro que deveria servir de referência como esse. O mais triste nessa história é que se trata de um livro oficial do Flu, o que dá uma certa legitimidade a ele.

Entretanto, longe de mim querer crucificar os autores, afinal o fato deles não serem muito bons pesquisadores não é nenhum crime e quem nunca errou que atire a primeira pedra (eu por exemplo tive a oportunidade de colaborar em vários projetos literários do Fluminense e todos eles sem exceção contém erros, alguns até bem cabulosos). Erros são aceitáveis, embora nesse caso com um pouco mais de comprometimento e inteligência pudessem ter sido evitados. O que não é aceitável são as invenções. Os tempos de gols inventados (uma centena pelo menos), os autores de gols chutados aleatoriamente, as escalações desconhecidas repetidas de outros jogos, os nomes de árbitros criados do nada (tudo informações copiadas do Fluzao.info imagino), etc... Infelizmente o desastre está consumado, pois como será possível agora desmentir para gerações futuras de torcedores e pesquisadores a autoria e o tempo do primeiro gol da história do Fluminense por exemplo.

PS.: Eu soube recentemente do passamento ocorrido há algum tempo do pesquisador Paulo Fortunato. Não sei se a informação procede ou não, mas de qualquer maneira eu gostaria de tecer algumas considerações sobre ele. Em 1994, quando eu comecei a pesquisar a história do Fluminense, meu primeiro objetivo foi conseguir fichas (com escalação, autoria de gols, etc...) de todos os jogos da história do clube. Eu consegui atingir esse objetivo, dividindo tarefas com um outro pesquisador que eu conheci ao longo do caminho, em aproximadamente um ano e meio. Nossa principal fonte de pesquisa para 1933-1994 (era profissional) foi o Jornal dos Sports (pesquisado na sede do próprio jornal e também na Biblioteca Nacional) e para 1902-1932 (era amadora) os livros existentes no Flu-Memória. Me lembro de na época de não ter conseguido a ficha de cerca de uma dúzia de jogos (não lembro do número exato). E foi justamente com o intuito de conseguir esses jogos que me faltavam que eu entrei em contato com o Fortunato. Ele era um pesquisador conhecido na época. O cara que há muitos anos acompanhava o Fluminense e tinha amealhado fichas de todos os jogos da história do clube. Eu entrei em contato com ele e num primeiro momento chegamos a um acordo, onde eu o enviava um pacote de fichas e ele as conferia, revisava e as devolvia. Depois de algum tempo fazendo isso ele perguntou se para acelerar o processo eu não queria comprar o seu banco de dados, o que acabou acontecendo. De certa forma, ter feito essa compra foi um arrependimento, pois comparando as fichas dele com as minhas, logo percebi que elas continham muitos erros, alguns deles até bem básicos, e que infelizmente o Fortunato não era a “autoridade máxima” em Fluminense que eu imaginava. O arrependimento só não foi maior porque de fato eu consegui a escalação daquela uma dúzia de jogos que me faltavam, embora posteriormente descobri que eu as teria conseguido do mesmo jeito pesquisando no departamento de futebol profissional do clube. Independente disso tudo, entretanto, apesar das ressalvas que eu tive com a pesquisa dele, eu sempre achei que o Fortunato merecia algum tipo de reconhecimento por ter sido o primeiro de todos os pesquisadores tricolores a compilar todas as súmulas dos jogos do clube e isso numa época sem internet. Se de fato ele não está mais entre nós é uma pena que esse reconhecimento não mais virá.