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Os homens de preto.

Carlos_Santoro

Updated: Oct 31, 2022


 

Ao trilar um apito em 19 de outubro de 1902 no centro do gramado do Paysandu Cricket Club na rua de mesmo nome no bairro das Laranjeiras, dando início ao jogo Fluminense x Rio Football Club, o gaúcho Louis da Nóbrega Júnior, sócio-fundador do Flu, tornava-se o primeiro árbitro na história a apitar um jogo do Fluminense. Hoje, passados mais de 115 anos, aproximadamente outros 1.300 indivíduos também tiveram essa honra. No início eram sócios dos próprios clubes que apitavam os jogos, mas com a implantação do profissionalismo em 1933 os árbitros passaram a ser vinculados às federações. Mais lembrados pelos equívocos que eventualmente cometiam do que pelos acertos, muitos marcaram época como o popular Mário Vianna, o polêmico Armando Marques, ou o folclórico Jorge Emiliano, o Margarida. Esses verdadeiros “homens de preto” são o tema do meu post dessa semana. Eu preparei uma lista com os dez árbitros que mais apitaram jogos do Flu, ordenados de forma decrescente pelo número de jogos em que atuaram. Anotei também o período em que arbitraram, o número de vitórias, empates, derrotas e o aproveitamento do Fluminense nesses jogos e, por fim, o total de jogadores expulsos e o saldo (vitórias menos derrotas) em clássicos contra Flamengo, Vasco e Botafogo. Mas vamos à lista:



Um dos principais árbitros brasileiro dos anos 1940 e 1950, Mário Vianna (1902-1989), com dois enes como ele fazia questão de frisar, encabeça a minha lista. Ninguém apitou tantos jogos do Flu como ele. Foram 130, de 1938 à 1956, dos quais pouco mais da metade (67) terminaram em vitória tricolor. Um aproveitamento de 61,9%. Dentro da média histórica do clube. Mário Vianna foi o juiz de duas importantes conquistas do Flu: o supercampeonato de 1946, vitória de 1 a 0 sobre o Botafogo, gol de Ademir, e o campeonato carioca de 1951, em que ele apitou os dois jogos finais contra o Bangu. Sua partida mais polêmica foi possivelmente o clássico contra o Vasco de 13 de junho de 1943. Após sair pro intervalo perdendo de 3 a 0 e ter um jogador expulso, a equipe cruzmaltina retornou à campo para o segundo tempo mas julgando-se prejudicada pela arbitragem recusou-se a por a bola em movimento. Após esperar os quinze minutos que determinava a lei, Mário Vianna deu o jogo por encerrado. Posteriormente o tribunal de penas manteve o resultado do clássico, multou o Vasco e suspendeu o jogador expulso, Isaías, por dois jogos. Torcedor do São Cristóvão na infância e Papai Noel do bairro da Urca todo Natal, Mário Vianna teria um segundo encontro com a fama nos anos 1970 e 1980 como comentarista de arbitragem da Rádio Globo, popularizando bordões como: “sarraaafo”, “banheeeira” e “goool leeegal”.



Em segundo lugar, não muito atrás de Mário Vianna, com 117 jogos apitados, aparece Carlos de Oliveira Monteiro (1908-1981), o Tijolo. Os 25 anos que separam o primeiro jogo que ele apitou do Flu (contra o Andaraí em 25 de outubro de 1931) e o último (contra o Olaria em 21 de outubro de 1956) constitui o maior intervalo de tempo de carreira entre os membros dessa minha relação. Seus números são bastante parecidos com os de Mário Vianna: mesma quantidade de empates (27), aproveitamento quase idêntico (62,0%) e saldo igualmente positivo em clássicos (+1). Alto, elegante, impecavelmente vestido em uma época em que os árbitros usavam calça branca e tênis, foi o mais importante árbitro dos anos 1930, e dirigiu, portanto, diversos jogos decisivos do Flu, entre eles, as conquistas do tricampeonato de 1936, 1937 e 1938 (1 a 1 contra o Flamengo, 7 a 1 contra o Olaria e 2 a 2 contra o América, respectivamente) e do Torneio Municipal de 1948 (1 a 0 sobre o Vasco, gol de bicicleta de Orlando). Torcedor declarado do América, Tijolo não deixava sua preferência clubística interferir em suas atuações, mas nem por isso o Fluminense deixa de ter um saldo negativo (-1) nos jogos contra a equipe rubra apitados por ele.



O paraense Alberto da Gama Malcher (1918-1978), primeiro árbitro a apitar uma partida no Maracanã, vem a seguir com 94 jogos, 55 vitórias, 17 empates e 22 derrotas de retrospecto em jogos do Flu. Um aproveitamento acima da média de 67,6%, embora acompanhado de um saldo negativo (-2) em clássicos. Apesar do grande número de jogos no currículo, Malcher não apitou nenhuma grande conquista do Fluminense, no máximo o título do Torneio Início de 1954, competição sem dúvida de menor expressão. De fato ele esteve em campo em famosas goleadas como o 4 a 0 sobre o Botafogo de 1954 ou o 5 a 2 em cima do Vasco de 1957, mas é pelo fatídico 6 a 2 sofrido para o Botafogo na final do estadual desse mesmo ano que ele é mais lembrado. O saldo negativo em clássicos apitados por ele se deve muito aos confrontos contra o Vasco (-5), cinco derrotas seguidas e apenas uma vitória em 9 jogos, pois o Fluminense leva vantagem contra o Botafogo (+1) e o Flamengo (+2), esse último, o seu clube do coração.



Certamente o mais polêmico integrante dessa minha lista, amado e odiado em igual medida por jogadores e torcedores, Armando Marques (1930-2014) é disparado o árbitro que apresenta os piores números em se tratando de jogos do Fluminense. Ele é o único dos dez mais que apitou mais derrotas (34) do que vitórias do Flu (31), um aproveitamento de 48,2%. Além de comandar um saldo de -4 em clássicos. Mas nem por isso ele deixou de estar presente em vitórias históricas do Tricolor, como no 7 a 2 sobre o Botafogo de 1965 pelo Torneio Rio-São Paulo; no 1 a 0 sobre o Flamengo de 1968, famoso pela ajeitada da bola com a mão de Wilton no lance do gol; na polêmica final do estadual de 1969, 3 a 2 sobre o Flamengo; e na vitória de 1 a 0 sobre o Vasco de 1976, jogo decidido na prorrogação e que deu o bicampeonato carioca ao Fluminense. Apesar do jeito espalhafatoso e autoritário, Armando Marques foi por mais de uma década a principal referência da arbitragem nacional. Com quase 2.000 partidas no currículo, Armando apitou 12 finais do Campeonato Brasileiro, quatro do Carioca, três do Paulista e uma do Mineiro, mas teve também uma carreira marcada por erros históricos, que não tinha vergonha em assumir, como na final do Campeonato Paulista de 1973, quando encerrou prematuramente as cobranças de pênaltis da decisão entre o Santos e a Portuguesa, que acabaram tendo de dividir o título.



O quinto árbitro que mais apitou partidas do Fluminense é o carioca Arnaldo César Coelho (1943- ), que entre 1966 e 1989 comandou 84 jogos do Tricolor. Atual comentarista do programa Bem Amigos da SporTV, Arnaldo tem números bastante parecidos com outros membros dessa minha lista, destacando-se negativamente, entretanto, como o árbitro que mais expulsou jogadores tricolores de campo. Foram 13 no total, sendo que em duas ocasiões ele deixou o Flu com nove jogadores em campo: num 0 a 0 contra o Vasco em 1969 e num 0 a 1 para o Olaria em 1972. Entre os jogos dirigidos por Arnaldo que merecem destaque estão o 1 a 0 sobre o Bayern de Munique em 1975; os dois jogos da final do Campeonato Carioca desse mesmo ano, 4 a 1 sobre o Vasco e 0 a 1 para o Botafogo; a finalíssima do estadual de 1980, 1 a 0 sobre o Vasco, gol de falta de Edinho; e o 1 a 0 sobre o Flamengo de 11 de dezembro de 1983, gol do carrasco Assis no último minuto, que praticamente garantiu o título carioca do Flu e eliminou o rubro-negro, seu time do coração.



Bastante atuante nos anos 1970 e 1980, Luís Carlos Félix (1940-2015) acumulou 73 jogos do Fluminense no currículo, e ocupa o sexto lugar na nossa relação dos dez mais da arbitragem. Analisando apenas os números, suas estatísticas são bastante favoráveis ao Tricolor: apenas 13 derrotas, a segunda menor marca da nossa lista; 69,2% de aproveitamento nos jogos, bem acima da média histórica do clube; e saldo positivo de três vitórias em clássicos, o melhor resultado entre os pesquisados. Seus jogos mais memoráveis são: a goleada de 5 a 1 sobre o Vasco em 1974, a espetacular vitória de 2 a 0 sobre o Corinthians no Morumbi em 1984, jogo válido pelas semifinais do Campeonato Brasileiro, e o primeiro jogo da final dessa mesma competição contra o Vasco onze dias depois, vitória de 1 a 0, gol de Romerito.



De todos os árbitros mencionados neste post, Guilherme Gomes (1898-1969) é o que apresenta as estatísticas mais favoráveis ao Fluminense. O aproveitamento de 80,6% do Flu em jogos apitados por ele, de longe supera a segunda marca, que é de Luís Carlos Félix com 69,2%. O Fluminense venceu 77% dos jogos com ele no comando, perdeu apenas 10 partidas e teve somente dois jogadores expulsos, os melhores números dessa minha lista. Seria leviandade minha afirmar que o fato dele ser tricolor tenha tido alguma influência nisso, até porque o Fluminense montou grandes times no período que ele apitou (1935-1947). E não se deve esquecer que ele deu um tricampeonato ao Flamengo ao validar um gol de Valido que muitos julgam ter cometido falta no lance. Entre os grandes jogos apitados por ele, vale mencionar a vitória de 3 a 1 sobre o América, que deu o título do Torneio Aberto de 1935, a goleada de 5 a 3 em cima do Botafogo, no Torneio Municipal de 1938, o massacre de 11 a 1 no Bangu, no Campeonato Carioca de 1946 e o triunfo de 6 a 2 sobre o América em jogo válido pelo supercampeonato de 1946.



Antigo jogador do Tricolor, Eunápio de Queiroz (1922-1977) é, com 60 jogos apitados, o oitavo membro dessa minha lista. Entre 1952 e 1966, ele arbitrou 36 vitórias, 8 empates e 16 derrotas do Fluminense, um aproveitamento de dois terços. Dirigiu 18 clássicos (8 contra o Vasco, 7 contra o Botafogo e apena três Fla-Flus), entregando um saldo positivo de 2 nesses confrontos. Expulsou sete tricolores de campo, sendo o meia Samarone duas vezes num espaço de pouco mais de um mês. Esteve presente em apenas uma grande conquista do Flu, o Torneio Rio-São Paulo de 1957, sacramentado com uma rodada de antecedência na vitória de 3 a 1 sobre a Portuguesa de Desportos em 29 de maio. Jogos memoráveis? Vários, como o empate de 3 a 3 com o Botafogo no último minuto no encerramento do Campeonato Carioca de 1959 com o Flu já campeão, ou a vitória de 3 a 0 sobre o Vasco na Taça Guanabara de 1966. Mas por outro lado o Flu sofreria três goleadas para esse mesmo Vasco em partidas sob seu comando: 2 a 4 em 1957, 1 a 6 em 1958 e 0 a 5 em 1965.



Empatado em oitavo lugar com Eunápio de Queiroz, mas com aproveitamento mais baixo, está Héber Roberto Lopes (1972- ), o único árbitro ainda em atividade dessa minha lista e também o único não vinculado à Federação do Rio de Janeiro. O paranaense Heber, hoje parte do quadro da Federação Catarinense apitou os primeiros jogos do Flu no Campeonato Brasileiro da Série C em 1999, e de lá para cá dirigiu alguns importantes jogos do Tricolor como a goleada de 6 a 1 sobre o Santa Cruz em 2000, em noite inspirada do atacante Magno Alves, que marcou cinco gols; os 6 a 2 sobre o Palmeiras em pleno Parque Antártica em 2001; e os 5 a 1 sobre o Cruzeiro de 2002, estreia de Romário, só para citar alguns. Mas nenhum foi tão importante quanto a final da Copa do Brasil de 2007, vencida pelo Tricolor ao bater o Figueirense por 1 a 0 em Florianópolis. Os números de Heber não são os melhores, apenas 60% de aproveitamento, saldo negativo em clássicos, e as nove expulsões provocadas por ele parecem exageradas. Que o diga o centroavante Fred, que nunca escondeu sua antipatia pelo árbitro.



Fecha a lista dos dez árbitros que mais apitaram jogos do Flu, Walquir Pimentel (1941- ), de triste memória. Seu retrospecto dirigindo jogos do Flu não é muito bom: 59,1% de aproveitamento, a segunda pior performance, uma expulsão a cada 6,88 jogos, media só superada por Armando Marques e Héber Roberto Lopes, mas é nos clássicos que seus números são os piores. Dos 18 que apitou, o Flu venceu apenas quatro, três deles contra o Botafogo e jamais venceu o Vasco. E se tudo isso não bastasse, Walquir Pimentel foi Diretor de Futebol do Flu nas gestões de Ângelo Chaves e Gil Carneiro de Mendonça, dois dos piores presidentes da história do clube.

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