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O químico.

Carlos_Santoro

Updated: Oct 31, 2022


 

A grande maioria dos jogadores amadores do início do século passado eram gente como a gente, comerciantes, médicos, advogados, estudantes, etc… para quem o futebol era apenas um passatempo de final-de-semana, uma nota de rodapé em suas biografias. Por serem pessoas comuns, jornais não contam suas trajetórias e é preciso recorrer a seus descendentes se nós quisermos conhecer um pouco de suas histórias. Passados mais de cem anos, são seus netos e bisnetos seus parentes vivos mais próximos, mas estes, por via de regra, desconhecem detalhes da vida de seus avôs/bisavôs. Existem, entretanto, aqueles raros casos onde um filho ainda é vivo, sem sombra de dúvida os mais aptos a nos contarem a história desses pioneiros do futebol. Foi assim com Max Naegeli, jogador que defendeu o Fluminense de 1903 à 1907, e o personagem do meu post desta semana. Em 2012 eu tive o privilégio de entrevistar um de seus filhos, na época com 93 anos – e infelizmente não mais entre nós -, que me contou um pouco da trajetória de seu pai.

Max Naegeli nasceu em Recife, Pernambuco, em 13 de setembro de 1875, terceiro filho do casal Wilhelm Naegeli (1833-1905) e Josephine Olivia Christiani (1845-1919) (fig. 1). Seu pai, um médico oftalmologista suíço, nascido na pequena vila de Kilchberg, e formado na Universidade de Zurique, imigrou para o Brasil na década de 1860, estabelecendo-se inicialmente no Rio de Janeiro. Em 1865, Guilherme, como Wilhelm ficaria conhecido no Brasil, integrou, como cirurgião, o Corpo de Saúde do Exercito Brasileiro, servindo sob o comando do Tenente-general Barão de Porto Alegre no campo de batalha na Guerra do Paraguai. Três anos depois ele se mudou para Recife, onde montou consultório e constituiu família, retornando ao Rio em definitivo em 1877.


fig. 1 – O médico suíço Wilhelm Naegeli e sua esposa, a pernambucana Josephine Christiani, pais de Max Naegeli, um dos pioneiros do futebol carioca.


O jovem Max foi enviado pelo pai para estudar na Inglaterra e lá tomou contato pela primeira vez com o futebol, antes mesmo do esporte ser introduzido na Cidade Maravilhosa. Em 22 de setembro de 1901 ele gravou seu nome na história ao participar da primeira partida de futebol disputada no Rio de Janeiro, integrando a equipe organizada por Oscar Cox que desafiou os ingleses do Rio Cricket de Niterói. No ano seguinte, em 15 de agosto, Max participou do festival esportivo anual organizado pelo clube inglês em celebração à coroação do Rei Eduardo VII, competindo em provas de corrida rasa e de obstáculos, e atuando no time dos “brasileiros” no amistoso disputado contra os “ingleses” que encerrou o festival (fig. 2). Curiosamente, excetuando ele, todos os outros dez integrantes do time brasileiro eram sócios-fundadores do Fluminense. Max enfrentaria o próprio Fluminense em um amistoso em outubro, defendendo o outro clube da colônia inglesa no Rio, o Paysandu (fig. 3), mas logo depois, por proposta de Oscar Cox, ingressava de sócio (número 57) no Flu (fig. 4).


fig. 2 – Max Naegeli chegou em segundo lugar na corrida de 100 jardas disputada na praça de esportes do Rio Cricket em Niterói em 15 de agosto de 1902. Apenas um dos eventos que ele participou na festa esportiva do clube da colônia inglesa em celebração à coroação do Rei Eduardo VII.


fig. 3 – Ficha do amistoso Fluminense vs. Paysandu de 26 de outubro de 1902. Atuando como full-back left, Max Naegeli excepcionalmente enfrentou seus companheiros habituais nesse dia.


fig. 4 – Os irmãos Max e Roberto Naegeli entraram de sócios no Fluminense respectivamente em 1902 e 1904. O primeiro, o sócio número 57, proposto por Oscar Cox. Roberto, o mais jovem, o sócio número 155, indicado pelo próprio irmão.


Nos primeiros anos do Século XX, os únicos clubes praticando o futebol no Rio de Janeiro eram o Fluminense, o Paysandu e o Rio Cricket, e existia uma certa promiscuidade esportiva entre eles, com sócios de um e de outro se enfrentando em toda sorte de arranjos. Quando sócios dos dois primeiros enfrentavam o último, o jogo era divulgado como “Rio versus Niterói”. Quando sócios dos dois últimos enfrentavam o primeiro, a partida era promovida como “Brasileiros versus Ingleses”. Max Naegeli participou de vários desses jogos, com destaque para a partida de 11 de junho de 1903 que marcou a estreia do uniforme cinza e branco do Fluminense (fig. 5).


fig. 5 – Time de “brasileiros”, todos eles sócios do Fluminense, que enfrentou o Rio Cricket em amistoso em Niterói em 11 de junho de 1903. Esta partida marcou a estreia da camisa cinza e branca do Fluminense, ainda sem o escudo do clube costurado do lado esquerdo do peito. Max Naegeli aparece atrás, bem ao centro, com seu inconfundível bigode.


fig. 6 – Foto tirada nas Laranjeiras por ocasião do amistoso do segundo quadro do Fluminense contra o Football & Athletic em 18 de setembro de 1904. Max Naegeli aparece atrás, em frente às palmeiras, usando um boné para cobrir a calvice precoce.


Pelo Fluminense propriamente dito, Max participou de importantes jogos, como a partida inaugural do primeiro Campeonato Carioca em 3 de maio de 1906 – goleada de 7 a 1 sobre o Paysandu -, o massacre de 6 a 0 sobre o Botafogo de 30 de setembro desse mesmo ano, e o jogo de estreia do Campeonato Carioca de 1907 em 5 de maio contra a Internacional – vitória de 5 a 0 -. Aos 31 anos de idade, essa foi sua última partida oficial pelo Tricolor. Em todos esses jogos Max atuou como meia-direita, half-back right como se dizia na época (fig. 7).

Um dos pioneiros do futebol carioca, com participação em vários jogos históricos, Max Naegeli faz parte do seleto grupo de 22 jogadores vencedores do primeiro Campeonato Carioca.


fig. 7 – Fichas dos jogos inaugurais dos dois primeiros campeonatos cariocas. Max Naegeli participou como meia-direita dessas duas partidas vencidas pelo Fluminense, que conquistaria ao final de 1907, o bicampeonato carioca.


Ele e o irmão mais novo Roberto, que disputou o Campeonato Carioca de segundos quadros de 1906 pelo Fluminense, fundaram uma empresa do ramo químico, que após sucessivas fusões e aquisições, existe até os dias de hoje. Ambos foram pioneiros na fabricação de corantes artificiais no Brasil.

Max Naegeli casou-se com a belga Juliette Beaufort (1883-1943) com quem teve três filhos. Após desquitar-se da esposa, Max mudou-se para São Paulo, onde veio falecer em 7 de junho de 1954 aos 78 anos de idade.

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