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O mestre de capoeira.

Carlos_Santoro

Updated: Oct 25, 2022


 

Dentre tantos personagens “esquecidos” que fazem parte da história do Fluminense, poucos tem uma trajetória tão interessante de ser contada como tem Mário Aleixo (fig. 1), treinador do Tricolor e da seleção brasileira em 1919. Professor de Educação Física, mestre de capoeira, instrutor de defesa pessoal, professor de jiu jitsu (fig. 2),  esgrimista, fotógrafo de jornal e teosofista, jamais vi seu nome ser mencionado em qualquer lista de treinadores do Flu. O pouco tempo que esteve nas Laranjeiras, menos de três meses, não serve de desculpa para essa omissão, pois outros treinadores como Omar Pastoriza, Hugo de León e Josué Teixeira, só para citar alguns, comandaram o Fluminense por períodos mais curtos ainda, e nem por isso, por bem ou por mal, deixam de ser lembrados. O post desta semana tem por objetivo, então, fazer esse reparo histórico, contar quem foi Mário Aleixo e como foi sua curta passagem no comando do Tricolor.


fig. 1 – Mário Aleixo em foto de 1918.


fig. 2 – Mário Aleixo dava aulas de jiu jitsu em 1915.


Corria a temporada de 1918 e o Fluminense seguia inabalável rumo ao bicampeonato da Liga Metropolitana sem sofrer uma única derrota. Um a um os adversários iam sendo vencidos pela equipe comandada pelo inglês Quincey Taylor e com o trio Zezé, Welfare e Machado inspirados, marcando muitos gols. Chegou o mês de agosto e o Fluminense tinha que enfrentar o Vila Isabel no Jardim Zoológico, em jogo válido pela terceira rodada do segundo turno. A essa altura o Fluminense acumulava dez vitórias e apenas um empate. O alvinegro por sua vez fazia péssima campanha, era o penúltimo colocado, a frente apenas do fraquíssimo Mangueira. A vitória sobre essa mesma equipe que o Tricolor havia goleado por 6 a 1 no primeiro turno e que agora voltava a enfrentar parecia favas contadas. Mas o Fluminense surpreendentemente perdeu, pela contagem mínima, gol contra de Chico Netto, na sua única derrota em campo pelo Campeonato Carioca no ano. Um revés amargo, que marcou época. O Vila Isabel publicaria dois dias depois no jornal O Imparcial uma paródia, gozando o Tricolor. A equipe alvinegra havia sido preparada para esse jogo por um professor de Educação Física, sócio do clube. Seu nome: Mário Aleixo.

Um dos precursores no campo do magistério da Educação Física no Brasil, Mário Aleixo iniciou sua carreira no ano de 1917 na antiga Escola Normal. Auto-didata, numa época em que se davam os primeiros passos no Brasil da Educação Física aplicada às escolas, Aleixo distinguia-se pela sua criatividade, enorme energia e amor desmedido ao trabalho. Foi ele quem introduziu no Brasil a ginástica com música, e os movimentos plásticos, através de aulas acompanhadas por canto.

No início de março de 1919 o Fluminense resolveu contratá-lo (fig. 3), o único treinador que o havia vencido no Campeonato Carioca no ano anterior, em substituição à Quincey Taylor, que havia deixado o clube sem maiores explicações. No mês seguinte ele passaria a treinar também a seleção brasileira que se preparava para a disputa do Campeonato Sul-Americano em maio. Seus treinos individuais, baseados na Ginástica Sueca adotada na época, consistiam de uma série de exercícios inusitados como pular carniça, rolar no gramado, equilibrar-se em um só pé, correr com um cinturão de chumbo amarrado à cintura e até subir a pedreira nos fundos do terreno do Fluminense com um saco de areia nas costas. Acostumados apenas à treinos de conjunto, muitos jogadores estranharam esses exercícios, considerados por alguns como infantis, ridículos e inúteis. Houve uma grande resistência por parte dos atletas que passaram a faltar aos treinos com certa regularidade, dando toda sorte de desculpas às suas ausências. De nada adiantou o próprio presidente do Fluminense, Arnaldo Guinle, ter participado de alguns treinamentos como forma de incentivo, inclusive subindo o morro carregando saco de areia nas costas. Fato é, que no início de junho, terminado o Campeonato Sul-Americano, vencido pelo Brasil, Mário Aleixo deixou o Fluminense (fig. 4), sendo substituído pelo treinador uruguaio Ramón Platero, que integrara a delegação da Celeste Olímpica como massagista. Aleixo retornava então ao Vila Isabel, tendo comandado o Fluminense apenas nos três jogos do Torneio Início disputado em 30 de março.


fig. 3 – Mário Aleixo foi anunciado como novo treinador do Fluminense em 9 de março de 1919.


fig. 4 – Pouco menos de três meses depois, em 2 de junho de 1919, era anunciada sua saída do clube.


Mario Aleixo foi também um ardente divulgador da capoeira, prática introduzida no Brasil pelos escravos africanos, e considerada por um longo tempo como atividade perniciosa e proscrita, condenada até pela polícia. A memorável luta travada no Pavilhão Internacional da Empresa Pascoal Segreto, na Avenida Central, hoje Rio Branco, em 1909, entre o negro Ciriaco Francisco da Silva e o campeão japonês de jiu jitsu, Sada Miako, talvez tenha sido o auge da capoeiragem no Rio de Janeiro. No desenrolar da luta, os pulos de Ciriaco desnortearam o oriental, que foi colhido na cabeça por um rabo de arraia, caindo desacordado e sangrando na segunda fileira de cadeiras da plateia. Carregado por populares num cortejo que percorreu parte da Avenida Central, o vencedor, Moleque Ciriaco, vivia seus quinze minutos de fama. Tinha início a rivalidade entre a capoeiragem e o jiu jitsu que atravessaria as próximas décadas.

Apesar da vitória de Ciriaco, Aleixo sabia das limitações da capoeira, de suas deficiências e falhas, e resolveu melhorá-la, incorporando ao esporte, que passaria a chamar de Defesa Pessoal (fig. 5), uma série de golpes de jiu jitsu, de luta romana e do boxe (seria Mário Aleixo o precursor do MMA no Brasil?) (fig. 6). Um procedimento condenado pelos puristas, que viam nos seus métodos um desvirtuamento das características tradicionais e primordiais da capoeira que tinham sido preservadas pelos mestres desta arte. Mas foi como capoeirista que Mário Aleixo voltou às manchetes dos jornais em 1931, por ocasião de uma famosa luta, realizada no Teatro República em 3 de dezembro, contra ninguém menos que George Gracie, o Gato Ruivo, irmão mais novo de Carlos Gracie. Aleixo, de 44 anos de idade, não foi páreo para o campeão de jiu jitsu, muitos anos mais jovem, perdendo a luta no segundo assalto após sofrer uma chave de braço (fig. 7).


fig. 5 – Mário Aleixo demostrando alguns golpes que ensinava a seus alunos em reportagem de 1921.


fig. 6 – Seria Mário Aleixo um dos precursores do MMA no Brasil?


fig. 7 – Os jornais cariocas não foram simpáticos à Mário Aleixo após sua derrota para George Gracie em 1931.


Como professor de Educação Física, instrutor ou treinador, Aleixo trabalhou nos seguintes colégios e instituições: Colégio Pedro II, Colégio Anglo-Brasileiro, Abrigo Sete de Setembro (depois FUNABEM), União dos Empregados do Comércio, professor de Defesa Pessoal da Guarda Civil, introdutor da Esgrima de baioneta no Tiro de Guerra no. 5 (Forte do Leme), professor de Esgrima e jiu jitsu do Clube Boqueirão do Passeio, entraineur (como se dizia na época) do Vila Isabel, do Fluminense e do Andaraí, além do selecionado brasileiro, campeão sul-americano de 1919.


fig. 8 – Mário Aleixo em foto de 1927, ao retornar de um congresso teosófico na Holanda.


Filho de Luiz Antônio Pinto de Miranda e de Maria Gertrudes Aleixo, Mário Aleixo casou-se em 4 de abril de 1914 com Maria Egydia do Sacramento. O único filho do casal, Walter José, faleceu tragicamente antes de completar dez anos, em 1928, vítima de apendicite. Ao falecer, em 30 de maio 1947, aos sessenta anos de idade, Mário Aleixo trabalhava como professor de Educação Física da Escola Normal Carmela Dutra de Madureira.

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