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O diplomata e o poeta.

Carlos_Santoro

Updated: Oct 26, 2022


 

Ponta-esquerda campeão carioca de 1917 (fig. 1), o uruguaio Juan Carlos Bernárdez é o personagem do meu post desta semana. Sua passagem pelas Laranjeiras pode ter sido breve – menos de seis meses -, mas sua contribuição ao título de 1917 não pode ser desprezada. Bernárdez participou de 11 dos 18 jogos daquela campanha – todo o turno mais dois jogos do returno – e embora tenha marcado apenas um gol, com ele em campo o Fluminense jamais saiu derrotado. Através de notícias publicadas em jornais da época e de informações que me foram passadas por um de seus netos é possível contar um pouco de sua história.


fig. 1 – Equipe campeã carioca de 1917 por ocasião do jogo contra o América em 9 de setembro. Atrás: Quincey Taylor (treinador), Chico Netto, Marcos e Vidal. No meio: Laís, Zezé, Raul e Oswaldo Gomes. Na frente: Fortes, Couto, Celso e Bernárdez.


Juan Carlos Bernárdez Martínez-Thedy nasceu em 25 de novembro de 1895 em Montevidéu, Uruguai, filho mais velho do jornalista, escritor e diplomata Manoel Bernárdez Filgueira (1867–1942) (fig. 2) e de Carmen Martínez-Thedy. Natural da Galícia, Manoel imigrou para o Uruguai com a família aos seis anos de idade, tornando-se cidadão uruguaio ao completar a maioridade. Em 1908 publicou o livro El Brasil, baseado em uma série de artigos que havia escrito para o jornal El Diario de Buenos Aires contando aspectos da vida brasileira. A obra, resultado de suas viagens pelo país, transformaram-no numa celebridade nacional. No ano seguinte fixou residência no Rio, onde exerceu por muitos anos o cargo de cônsul geral (1910-1916) e posteriormente de ministro plenipotenciário (1916-1920) do Uruguai junto ao governo brasileiro. Na década de 1920 representou seu país na Itália e na Bélgica, retornando ao Brasil em 1930, onde, aposentado, viveria até os seus últimos dias.


fig. 2 – O escritor, jornalista e diplomata Manoel Bernárdez.


De 1914 à 1917 a Família Bernárdez fixou residência no Palácio Mauá, sede do consulado uruguaio, na avenida Pedro Ivo (atual avenida Pedro II) no bairro de São Cristóvão. O Palácio Mauá, para quem não sabe, vem a ser o famoso casarão em estilo neoclássico comprado por Dom Pedro I para a sua amante, a Marquesa de Santos, onde hoje está instalado o Museu do Primeiro Reinado.

A proximidade do palacete ao São Cristóvão Athletic Club, fez com que o jovem Juan Carlos escolhesse inicialmente essa pequena agremiação suburbana para a prática do futebol em solo carioca, embora desde 1913 fosse sócio do Fluminense. Apesar do seu nome aparecer numa lista de jogadores cadetes publicada em janeiro de 1915, sua participação e vitória numa corrida rasa de 100 metros, disputada por ocasião da festa de inauguração da praça de esportes do São Cristóvão em abril de 1916, constitui a única menção em jornal dele competindo em algum esporte pelo clube do bairro imperial. Talvez suas constantes viagens entre o Rio, Montevidéu e Buenos Aires, onde cursava universidade, tenham-no impedido de defender os cadetes em jogos oficiais. No final desse mesmo ano, Bernárdez foi eleito membro de diretoria do São Cristóvão (2º. Secretário), mas em abril de 1917 pediu demissão do clube, passando logo depois a atuar pelo Fluminense.


fig. 3 – Grupo de jogadores brasileiros e uruguaios que tomaram parte no churrasco promovido pela família Bernárdez na sede da Embaixada do Uruguai no antigo palacete da Marquesa de Santos. Na foto de 8 de janeiro de 1917, Juan Carlos Bernárdez aparece à frente, bem ao centro.


Seu ingresso na equipe Tricolor coincide com a mudança da legação uruguaia de São Cristóvão para a rua Carvalho Monteiro (atual Artur Bernardes) no Catete, bairro vizinho às Laranjeiras, o que sugere que sua transferência foi ditada mais por conveniência geográfica do que por preferência clubística. No Flu, Bernárdez foi logo alçado à equipe principal, em substituição à Ernâni de Carvalho, formando com Mário de Moraes a ala esquerda do time que se sagraria campeão carioca ao final do ano. Sua estreia se deu em 3 de maio, em um amistoso contra o Botafogo que marcou a inauguração do campo do Sport Clube Brasileiro no Catumbi. A partida, disputada em dois tempos de 35 minutos devido ao adiantado da hora, terminou empatada em 2 a 2. Já seu primeiro jogo oficial foi o clássico contra o Flamengo nas Laranjeiras, partida de estreia do Fluminense no Campeonato Carioca. A vitória de 2 a 0 do Tricolor contou com a contribuição do uruguaio, pois partiu dele o centro que escorado por Zezé, resultou no gol de Moraes, o segundo do jogo.

Em julho, Bernárdez participou dos festejos de 15 anos do Fluminense, disputando a partida de futebol principal do evento entre os primeiros e segundos quadros, e competindo em prova rasa de 800 metros e também numa corrida de biscoitos! O Flu vivia ótimo momento e com Bernárdez em campo, seguia vencendo todos os seus jogos, sequência que só seria interrompida no início de setembro, no empate de 0 a 0 com o Mangueira, não por coincidência partida em que o uruguaio levou um forte pontapé na perna aos 18 minutos e teve de deixar o campo, só reaparecendo no decorrer da segunda etapa. Em meados desse mesmo mês os jornais anunciavam que Bernárdez deixaria o clube, pois teria que embarcar para o exterior para completar seus estudos. O ponta-esquerda ainda disputaria um jogo-treino em 28 de setembro contra a Associação das Palmeiras, empate de 2 a 2, terminando aí o seu vínculo com o Fluminense.

O invicto Bernárdez disputou ao todo 12 jogos pelo Tricolor, conquistando 10 vitórias e 2 empates (fig. 4). Marcou seu único gol pelo Fluminense na goleada de 4 a 0 sobre o Vila Isabel em 26 de agosto, aproveitando-se de uma rebatida da zaga para emendar um chute enviesado que o goleiro não pode defender. Campeão Carioca de 1917, foi um dos 20 jogadores utilizados na campanha do título.


fig. 4 – Relação de jogos de Bernárdez pelo Fluminense.


fig. 5 – Ficha de Bernárdez no meu banco de dados.


Em 5 de outubro Bernárdez deixava o Rio, embarcando no vapor Vasari com destino a Buenos Aires. Ele ainda retornaria ao Rio algumas vezes: em dezembro de 1918 para assistir o casamento de uma de suas irmãs com o filho do Ministro Lauro Muller – um dos filhos do casal, Maneco Muller, foi um dos pioneiros do colunismo social no Brasil -, em julho do ano seguinte como membro da embaixada uruguaia que veio assistir à posse do presidente Epitácio Pessoa e esporadicamente nas décadas seguintes sempre em trânsito entre o Uruguai e outros países.

Formado em Economia pela Universidade de Buenos Aires, Bernárdez seguiu os passos do pai e fez carreira diplomática. Foi embaixador do Uruguai na Venezuela e na Guatemala, onde deu asilo às cerca de quarenta pessoas que se refugiaram na embaixada quando do golpe de estado contra o presidente Jacobo Arbenz em 1954. Em 1941 recebeu de Getúlio Vargas o grau de comendador da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul e foi agraciado também com a Orden del Quetzal do governo guatemalteco.

Bernárdez tinha também uma veia poética e gostava de compor versos, tendo várias poesias publicadas no jornal La Razón de Montevidéu e pelo menos uma em jornal carioca (fig. 6). Escreveu também um livro de contos, El Voltaje de Lucila (fig. 7), publicado em 1933.


fig. 6 – Poesia humorística de Bernárdez publicada na Revista da Semana em 1915.


fig. 7 – Juan Carlos Bernárdez publicou um livro de contos em 1933. A cópia acima tem dedicatória assinada pelo autor.


Bernárdez casou-se com uma venezuelana chamada Josefina Lossada Casanova e teve dois filhos e uma filha. Ambos os filhos foram diversas vezes campeões venezuelanos de golfe. Faleceu em 15 de janeiro de 1973 em Caracas aos 77 anos de idade.


fig. 8 – O jogador e o diplomata uruguaio Juan Carlos Bernárdez.

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