Há uns 20 anos atrás eu tive o privilégio de conversar por telefone com um antigo jogador amador do Fluminense chamado Walter Schuback. Walter, para quem não sabe, jogou no infantil do Flu em 1919 ao lado de Preguinho, e fez alguns jogos pelo segundo quadro do Tricolor na década de 1920, além de ter sido campeão do torneio interno do clube de 1928, atuando num time que tinha Gerdal, Bordallo e Amaury Catramby entre outros. Mas mais importante para mim era o fato de que ele era filho de um dos fundadores do clube e sobrinho de Oscar Cox, o introdutor do futebol no Rio de Janeiro. Buscando informações sobre o seu pai (de nome igual ao seu e segundo ele o primeiro goleiro do futebol carioca) para o meu banco de dados, eu limitei-me a perguntar-lhe o básico, dados vitais como o seu nome completo, data de nascimento, etc… Tempos depois, tendo ele já falecido, e olhando em retrospecto, eu lamentei a oportunidade perdida, a chance desperdiçada de obter fotos e ouvir histórias sobre o seu pai que só um filho poderia contar. Walter (pai) é o personagem do meu post dessa semana (fig. 1), e embora eu tenha que me limitar ao que foi publicado em jornais para contar a sua história, pelo menos eu consegui obter com outros parentes, há alguns anos, fotos para ilustrar este post, o segundo de uma série de 20 que eu estou publicando sobre os fundadores do Fluminense.
fig. 1 – Walter Andreas Schuback, fundador e jogador do Fluminense.
Walter Andreas Schuback nasceu no Rio de Janeiro em 22 de junho de 1882, filho mais velho do casal de alemães Karl Heinrich Schuback (1851-1912) e Adele Friderike Voigt (1859-1904). Os Schuback eram naturais de Hamburgo, principal porto da Alemanha, e Karl e alguns de seus treze irmãos imigraram para o Brasil na segunda metade do século XIX. No Rio, Karl trabalhou no setor têxtil, foi sócio da Hasenclever, empresa importadora de fazendas e ferragens, e posteriormente diretor das Companhias de Fiação e Tecidos: São Pedro de Alcântara, de Petrópolis, e Magéense, de Magé.
Os Schuback moravam na Rua Passo da Pátria, em São Domingos, Niterói, a pouca distância do Grupo de Regatas Gragoatá, clube fundado em 1895 por, entre outros, Domingos Moitinho, um dos fundadores do Flu. O Gragoatá foi o primeiro clube campeão carioca de remo, em 1898, e tinha em Arnaldo Voigt, tio de Walter, seu principal remador. Logo, era natural que Walter e seus irmãos, Hermann e Otto, ingressassem de sócios e competissem, na virada do século, por essa agremiação. Walter foi também sócio do Rio Cricket & Athletic Association, localizado no Ingá, bairro vizinho à São Domingos, e nas festas anuais promovidas por esse clube da colônia inglesa, seu nome aparece participando de provas de atletismo e de ciclismo. Anos mais tarde, já beirando os trinta anos, Walter competiria também em provas de vela pelo Yatch Club Brasileiro de Niterói, do qual fez parte do conselho fiscal.
Eu não sei dizer ao certo se Walter estudou na Europa e se lá aprendeu o futebol, ou se ele só foi ter contato com o esporte bretão pela primeira vez no Rio Cricket, mas o início de sua carreira de futebolista coincide com a introdução do futebol no Rio de Janeiro, o que faz dele membro do seleto grupo de pioneiros do futebol carioca. De fato, Walter pode não ter sido o primeiro goleiro do Rio, como afirmou o seu filho (essa honra cabe ao cearense Clito Portella), pois ele atuou como full-back na primeira partida de futebol disputada no Rio de Janeiro que se tem registro, em 22 de setembro de 1901, mas ele foi com certeza o primeiro goleiro carioca a disputar uma partida interestadual, tendo defendido a meta do chamado “Rio Team” (fig. 2), nos dois primeiros jogos disputados entre cariocas e paulistas realizados em São Paulo em outubro de 1901.
fig. 2 – O “Rio Team”, equipe que enfrentou uma seleção paulista em outubro de 1901. Walter Schuback, em pé no centro, foi o goleiro.
No ano seguinte, Walter não participou da rápida excursão que o “Rio Team” empreendeu à São Paulo na segunda semana de julho, mas garantiu sua imortalidade ao deixar sua assinatura na lista de presença da reunião de fundação do Fluminense no dia 21 desse mesmo mês. Sócio número três, Walter foi 2º Secretário do clube em 1902 e 1903, e em 1910 foi agraciado com o título de benemérito, honraria dada a apenas 12 dos 20 fundadores. Já como jogador, ele faria somente quatro partidas pelo clube cinza e branco que ajudara a fundar: as duas primeiras da história do Fluminense, em 1902, e outras duas em 1904, sempre atuando como half-back. Em 1906, seu nome aparece na lista de inscritos do Rio Cricket no Campeonato Carioca de Segundos Quadros, mas não encontrei nenhum registro de que ele tenha atuado de fato em alguma partida nesse ano.
fig. 3 – Walter Schuback e Oscar Cox em foto de 1903, quando ainda não eram “parentes”.
Se é fato que nenhum dos irmãos Schuback tenham se destacado como desportistas (minto, Hermann foi um excelente atirador, disputando competições de Tiro de igual para igual com Guilherme Paraense e Afrânio Costa), o mesmo não se pode dizer de suas carreiras profissionais, os três tendo se tornado comerciantes bastantes conhecidos. O mais jovem, Otto, tinha firma própria e foi durante anos representante exclusivo dos famosos fogões e aquecedores à gás Junker e também, do popular sabonete Sanitol. Já Hermann, o do meio, vendia o conhecido tônico revigorante Phytina, que dez em cada dez das mães da época obrigavam seus filhos tomarem antes de irem para a escola. Walter, por sua vez, além de ser pequeno acionista e membro do conselho de algumas empresas, era um dos gerentes da Herm Stoltz, gigante do comércio exterior com sede na Avenida Rio Branco e que chegava a fretar dezenas de navios para movimentar seus produtos (fig. 5).
fig. 5 – Os irmãos Schuback eram comerciantes de sucesso. Walter trabalhava como gerente da Herm Stoltz, empresa alemã com sede na Avenida Rio Branco.
Em 22 de dezembro de 1905, Walter casou-se com Anna Laura Cox (fig. 6), uma da irmãs mais novas de Oscar Cox, tornando-se portanto, cunhado deste. O casal teria cinco filhos (fig. 7), sendo que os dois mais velhos, Oswaldo e Walter, jogaram futebol no infantil do Fluminense. A família estava na Europa quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, só retornando ao Brasil em novembro de 1914. Embora muitos alemães e seus descendentes tenham sido perseguidos no Brasil durante a guerra (vários deles foram expulsos do Fluminense), Walter parece não ter sido afetado pois seu nome aparece competindo em uma corrida de veteranos na festa de 15 anos do clube. Em 1925 Walter comprou o casarão da família Cox na Rua São Salvador no. 33 (antigo no. 5) no Catete. Um prédio histórico. Imagine quantas decisões importantes para os destinos do Fluminense em seus primeiros anos de vida foram tomadas nesse imóvel! Em 2 de fevereiro de 1930, após vários meses doente, Walter faleceu, vítima de tuberculose. Ele tinha apenas 47 anos de idade. Sua morte não passou despercebida, com vários jornais emitindo notas em sua homenagem (fig. 8). Foram tempos de provações para sua esposa Anita (apelido de Anna Laura), que perderia o filho mais jovem de 19 anos para esse mesma doença poucos meses mais tarde. E ainda veria um outro filho ser assassinado, sete anos depois, após uma discussão com um sócio, num crime que foi manchete nos principais jornais cariocas.
fig. 6 – Anita Cox e Walter Schuback casaram-se em 1905.
fig. 7 – A Família Schuback: Walter, Anita e três de seus filhos.
fig. 8 – Os jornais deram destaque ao falecimento de Water Schuback em 1930. Considerado pela imprensa, ao lado de Victor Etchegaray, como o primeiro full-back do Rio de Janeiro.
댓글