Os jogadores amadores do Fluminense do início do século XX eram gente como a gente. Médicos, engenheiros, estudantes, comerciantes… Para muitos deles, o futebol era apenas um passatempo de final de semana, e todos tinham suas profissões, seus empregos, seu ganha-pão longe das quatro linhas. Alguns deles, como o historiador Marcos Carneiro de Mendonça, primeiro goleiro da seleção, o advogado Oswaldo Gomes, recordista de títulos cariocas, e o funcionário público Preguinho, autor do primeiro gol do Brasil em Copas do Mundo, tornaram-se, graças a seus feitos dentro de campo, verdadeiras legendas do futebol brasileiro. A grande maioria, entretanto, foram esquecidos pela história e hoje são apenas antropônimos registrados em súmulas antigas de jogos. Um desses heróis esquecidos foi Nestor Macedo, meia bicampeão carioca em 1908 e 1909 (ver fig. 1). E é justamente dele que eu vou falar hoje. E de como um insignificante anúncio publicado na página de classificados de um jornal carioca, me permitiu localizar seus descendentes e conhecer um pouco de sua história.
fig. 1 – Nestor Macedo em foto (mal recortada) de 6 de dezembro de 1908, por ocasião de um amistoso do Fluminense contra um time de marinheiros ingleses.
Pesquisar pessoas comuns com nomes comuns que viveram há mais de 100 anos nem sempre é tarefa fácil pois uma busca pelos seus nomes em arquivos de jornais antigos retorna centenas de resultados, muitas vezes sem qualquer relação com a pessoa que você procura. Com o Nestor não foi diferente e num primeiro momento a única informação extra-futebol que eu consegui descobrir sobre ele foi que no início de 1914 ele retornou da Europa onde achava-se há alguns anos (ver fig. 2), o que me permitiu obter sua idade (23 anos) e profissão (estudante) na lista de passageiros do navio que o trouxe do Velho Continente (ver fig. 3).
fig. 2 – Nota publicada no jornal O Imparcial de 14 de janeiro de 1914 comunicando o retorno de Nestor Macedo ao Brasil.
fig. 3 – Lista de passageiros do vapor alemão Blücher que atracou no Rio, vindo da Europa, em 1 de janeiro de 1914, trazendo a bordo Nestor Macedo.
Minha pesquisa esteve assim parada por alguns anos até que em 2016 eu resolvi retomá-la e com uma boa dose de sorte eu consegui a informação que precisava para poder avançá-la. Ora, eu sabia de um velho livro de sócios do Fluminense que o endereço do Nestor em 1907 era Rua Bambina n. 96 (ver fig. 4). E foi através de uma busca por esse endereço que eu descobri num pequeno anúncio classificado publicado no Jornal do Brasil em dezembro de 1908, coincidentemente na mesma semana da foto da fig. 1, que o número 96 da Rua Bambina mudara para 164 (a numeração de boa parte dos imóveis da Zona Sul do Rio foi modificada em 1908) (ver fig. 5).
fig. 4 – Nestor Macedo, sócio de número 230 do Fluminense.
fig. 5 – Anúncio publicado no Jornal do Brasil em 1 de dezembro de 1908 me forneceu a informação que eu precisava para dar prosseguimento com a minha pesquisa.
Pesquisando esse novo número, não foi difícil encontrar em uma das edições do Almanaque Laemmert da época o morador do endereço, um certo Lino de Macedo (ver fig. 6). Seria esse inspetor de seguros, parente do Nestor, talvez o seu próprio pai? Era uma boa possibilidade pois o sobrenome era o mesmo. Eu tinha agora um novo nome para pesquisar e pude confirmar, em um anúncio religioso de 1913, que tratava-se sim do pai de Nestor, ausente segundo a nota (ele estava na Europa, lembram-se), e consegui obter também mais um nome para pesquisar, no caso, o de sua esposa (ver fig. 7). A partir daí, minha pesquisa caminhou mais rápida e através de sucessivos anúncios religiosos e seus respectivos registros de cartório, eu consegui esboçar a árvore genealógica imediata da família e chegar via facebook em um dos netos do Nestor, que muito gentilmente me colocou em contato com uma das filhas do ex-jogador. Esta, por sua vez, não só me recebeu muito bem em sua residência, como me contou histórias do seu pai e me arrumou documentos e fotos, que, junto com as informações que eu havia colhido em jornais, me permitem contar sua história:
fig. 6 – Lino de Macedo, morador da rua Bambina n. 164, do Almaque Laemmert de 1910.
fig. 7 – Aviso Religioso publicado em 27 de outubro de 1913 mencionando Nestor Macedo.
Nestor Dionysio de Macedo nasceu em 9 de outubro de 1890 no Rio de Janeiro, filho do farmacêutico Miguel Lino Menezes de Macedo e de Josephina Borges de Macedo. Seu pai foi proprietário na última década do século XIX de uma famosa farmácia na Rua Gonçalves Dias no centro do Rio (ver fig. 8) e posteriormente inspetor de seguros da Companhia Sul América. Quando adolescente, Nestor estudou no célebre Colégio Alfredo Gomes, nas Laranjeiras, instituição de ensino dirigida pelo pai de seu futuro companheiro de time, Oswaldo Gomes. Ingressou de sócio do Fluminense em 1907, proposto por Mário do Rego Monteiro. Nesse mesmo ano, fez parte do Rio FC, espécie de infantil do Flu, e no ano seguinte foi promovido ao primeiro time de adultos. Sua estreia, em 3 de maio de 1908, na goleada de 10 a 1 sobre o Paysandu, em jogo válido pelo Campeonato Carioca, não passou despercebida, sua atuação merecendo rasgados elogios da imprensa, como o Correio da Manhã, que noticiou: “como half-back, multiplicava-se, defendia-se galhadarmente, auxiliava com valentia os atacantes” (ver fig. 9). Atuava quase sempre como médio-direito (“half-back right” como se chamava na época), e formou primeiro com Buchan e Leal, e depois com Galo e Mutzenbecher, o meio-campo bicampeão carioca invicto de 1908 e 1909. Nestor é ao lado do goleiro Waterman e dos irmãos Etchegaray, os únicos a participar de todos os jogos dessa campanha histórica. Em 1910 seu pai o enviou para estudar na Europa. Bon vivant, apreciador das coisas boas da vida, foi seduzido pela noite parisiense, e em pouco tempo estava casado com uma argentina dançarina de can-can. Insatisfeito com o seu aparente descaso com os estudos, o pai cortou-lhe a mesada e deu a ordem para só voltar ao Brasil com um diploma! Dito e feito. No ínício de 1914, após a morte do pai, Nestor retornou ao Rio. A imprensa da época não só noticiou o seu retorno, como especulou, se ele voltasse a jogar bola, que clube defenderia. O Fluminense, o Flamengo e o Botafogo, os principais contendores (ver fig. 2 e fig. 10). Acabou optando por este último, mas ficou poucos meses no alvinegro (ver fig. 11), reingressando no Fluminense em 1915, a tempo de participar de alguns jogos do campeonato carioca. No total, fez 30 jogos pela equipe principal do Fluminense, 22 oficiais de campeonato e oito amistosos, conquistando vinte e duas vitórias, cinco empates e três derrotas, e assinalando sete gols (ver fig. 12). O mais importante sem dúvida o que marcou, de um chute de dentro da pequena área aproveitando uma cobrança de escanteio na metade da segunda etapa, na vitória de 2 a 1 sobre o Botafogo pelo segundo turno do Campeonato Carioca de 1909, resultado que praticamente garantiu o tetracampeonato do Tricolor. Formou-se Engenheiro Civil, estudou na Escola Polytechnica do Rio de Janeiro, foi funcionário do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), e trabalhou no Patrimônio do Estado do Rio de Janeiro, vinculado à Secretaria de Finanças. Faleceu em primeiro de maio de 1964, aos 73 anos de idade, vitimado por um ataque cardíaco fulminante em um hotel em São Paulo.
fig. 8 – Estabelecida na Rua Gonçalves Dias no centro do Rio, a Farmácia Lino de Macedo pertenceu ao farmacêutico de mesmo nome até 1899.
fig. 9 – Nestor Macedo recebeu elogios da imprensa em sua estreia pelo Fluminense.
fig. 10 – Ao retornar ao Brasil em janeiro de 1914, Nestor Macedo foi especulado tanto no Flamengo como no Botafogo.
fig. 11 – Nestor Macedo jogou poucos meses no Botafogo como demonstra nota publicada no jornal A Noite em 19 de junho de 1914.
fig. 12 – Relação de jogos de Nestor Macedo pelo Fluminense.
fig. 13 – Nestor Macedo em dois momentos distintos. O jogador campeão carioca pelo Fluminense em 1909 (à esquerda) e o engenheiro em data indefinida (à direita).
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