Jorge Frias de Paula soube tirar proveito das duras lições aprendidas na eleição de 1969, quando o lançamento tardio de sua candidatura custou-lhe importantes apoios políticos e tiraram-lhe qualquer chance de vitória nas urnas e, precavido, no início de 1971, faltando ainda mais de um ano para o término do mandato de Laport, anunciou oficialmente que seria o candidato da oposição no pleito seguinte. Entre os nomes que se comprometeram com sua candidatura vale destacar: Fábio e Marcos Carneiro de Mendonça, João e Paulo Coelho Netto, João Havelange, Luiz Gallotti, Wilson Xavier, Dílson Guedes, Everardo Cruz e Emílio Ibrahim.
Tudo indicava que seu adversário nas urnas seria Raphael de Almeida Magalhães, mas a candidatura do ex-governador da Guanabara jamais conseguiu decolar, e diante da disposição da diretoria em lançar seu próprio candidato, Raphael desistiu de concorrer ao pleito. Outros nomes foram então especulados, entre eles o do vice-presidente de patrimônio, Sylvio Vasconcellos, e o do industrial Manoel Duque, um dos articuladores da malograda candidatura de Raphael, mas em maio de 1971 ficou definido que Antônio Leite seria o candidato de Laport. Destarte, pela primeira e única vez na história do Fluminense, a eleição para o cargo máximo do clube seria disputada por dois ex-presidentes.
Leite, que além do presidente, tinha o apoio de Nelson Vaz Moreira, Luiz Murgel, Raphael de Almeida Magalhães, Gastão Soares de Moura, Manoel Duque e Antônio de Almeida Braga, entre outros, só aceitou ser candidato pela possibilidade de realizar seu antigo sonho de transferir o departamento de futebol para a Barra da Tijuca, um dos principais pontos de sua plataforma. Seu adversário, Jorge Frias, também tinha planos de expansão para o bairro da zona oeste. De fato, os programas de governo dos dois candidatos eram bastante parecidos, um poderia assinar o do outro sem que ninguém percebesse a diferença!
Essa aparente convergência de ideias não foi suficiente, entretanto, para apaziguar o clima de animosidade existente entre as duas facções políticas. Partidários de Leite consideravam que por ser presidente da CBD e de Honra do Fluminense, João Havelange não deveria opinar nem revelar candidato e acusavam a entidade de prejudicar o time no Campeonato Brasileiro, seja através da indicação de árbitros indesejados, seja pelas derrotas recentes sofridas pelo clube no superior tribunal de justiça desportiva. Frias, por sua vez, não perdeu a oportunidade de alfinetar seu adversário em entrevista concedida às vésperas da eleição, quando afirmou que o conselheiro que o apoiava “sabe que votará num homem que quando aceita um encargo, cumpre-o até o fim”, uma alusão ao fato de Leite ter renunciado em meio ao seu último mandato. Um único ponto os dois lados concordavam: quem quer que fosse o eleito, o treinador Zagallo, cujo contrato se encerrava ao final do ano, não permaneceria nas Laranjeiras. Ambos os candidatos tinham seus nomes preferidos para substituí-lo, mas não os revelavam com receio de perder votos.
Nunca antes uma eleição para presidente do Fluminense fora tão disputada e equilibrada. Não havia um franco favorito e seu desfecho era imprevisível, com os dois concorrentes acreditando na vitória. Leite prometia divulgar o nome do técnico que escolhera assim que fosse anunciado o seu triunfo, enquanto Frias comprometia-se a revelar o nome dos três grandes reforços que pretendia contratar imediatamente após ser aclamado vencedor.
Tudo levava a crer, portanto, que a eleição de 11 de janeiro de 1972 seria bastante concorrida, o que acabou se confirmando, com 284 conselheiros assinando o livro de presença, batendo o recorde de comparecimento do escrutínio de 1963. A votação começou às 21 horas e caminhou rápida, sem nenhum contratempo, encerrando-se antes da meia-noite. Teve início então, a contagem dos votos, que permaneceu parelha a maior parte do tempo. Durante a apuração, a todo instante Frias perguntava qual era a diferença e conforme a sua vantagem ia se consolidando, erguia o punho esquerdo enquanto com a mão direita ajeitava a gravata. Quando Frias atingiu 139 votos, contra 112 de seu oponente, o Fluminense tinha novo presidente eleito e as comemorações começaram, o ex-campeão de natação sendo carregado em triunfo por seus partidários. Ao se encerrar a apuração à 1h05m da madrugada Frias contabilizara 151 votos à seu favor contra 127 para Antônio Leite. Houve ainda dois votos nulos e quatro em branco.
As desavenças existentes entre situação e oposição não só não se encerram após a eleição como se acirraram. O desencontro de calendário entre o início da temporada do futebol em janeiro e a posse de Frias no final de março levaram o presidente Laport a contratar um técnico interino, o paulista Mário Travaglini, por três meses, evidenciando seu desejo de continuar à frente dos destinos do Fluminense até o final de seu mandato, contrariando uma promessa anterior sua de antecipar a entrega do cargo de forma a não atrapalhar o planejamento do futebol da futura diretoria. Jorge Frias não fez por menos e respondeu à altura, declarando em alto e bom tom que na sua administração os jogadores e os funcionários voltariam a entrar pela portaria principal do clube, algo que havia sido proibido na gestão Laport. Nem mesmo uma reunião entre os dois presidentes no dia 28 de janeiro foi capaz de selar a paz entre as duas correntes. A oposição acusava a situação de perder o meia Afonsinho, um dos três jogadores pretendidos por Frias (os outros dois eram o meia Lola do Atlético Mineiro e o centroavante César do Palmeiras), que embora apalavrado com o Fluminense preferiu não esperar até abril – e ficar três meses sem receber – e acertou com o Santos. A situação por sua vez afirmava não poder antecipar a sucessão para dar cumprimento ao estatuto que exigia a aprovação do relatório das contas da diretoria – aguardando a entrega da gráfica – para aí sim, em outra sessão, proceder à posse. Uma rixa que se estenderia por meses após a eleição, culminando com o indeferimento pelo conselho deliberativo do pedido de benemêrencia de Laport ao final do ano. Algo inédito na época em se tratando de ex-presidentes do clube.
Finalmente no dia 23 de março, após os relatórios serem entregues e as contas aprovadas, Jorge Frias pode enfim tomar posse. Conduzido ao Salão Nobre pelos ex-presidentes Fábio Carneiro de Mendonça e Luiz Murgel, Frias foi aplaudido de pé pelos presentes, recebeu de seu antecessor o bastão de prata, símbolo da passagem do cargo máximo do Tricolor, e fez a tradicional saudação de posse. Ao mesmo tempo no centro do gramado das Laranjeiras, fogos de artifício espocavam estrepitosamente. Eram os funcionários do clube, que haviam se cotizados para a compra dos artefatos a fim de homenagear o novo presidente. Avisado do que ocorria, Frias subiu até a Tribuna de Honra, avistou os funcionários, e emocionado, desceu até o campo, onde abraçou-os um a um. Uma vez empossado, duas das primeiras medidas do novo presidente foram soltar os pássaros das gaiolas que ornamentavam os jardins da sede e colocar relógio de ponto na portaria do clube!
Disposto a evitar a todo custo um novo embate eleitoral e uma repetição do clima de hostilidade que caracterizou a sua eleição e que tantos prejuízos causaram ao Fluminense no período de transição de governo, o presidente Jorge Frias de Paula procurou no pleito seguinte lançar um candidato de consenso para sucedê-lo. Um nome que jamais tivesse se envolvido na política interna das Laranjeiras ou ocupado anteriormente qualquer cargo no clube, capaz de harmonizar todos os tricolores e uni-los numa só bandeira. A escolha recaiu sobre o Secretário de Obras do Estado da Guanabara, o engenheiro Emílio Ibrahim.
Ao tomar conhecimento da indicação de seu nome, o antigo jogador do Fluminense enviou em fevereiro de 1974 carta ao presidente Frias acedendo ao desafio, mas impôs uma condição: só aceitaria a “honrosa missão” se tivesse o apoio de todas as correntes políticas existentes no clube e fosse candidato único. Menos de dois meses depois, entretanto, contrariando o que havia sido acordado anteriormente, alguns conselheiros e beneméritos ligados aos Esportes Olímpicos, resolveram lançar o seu próprio candidato, o ex-voleibolista José Gil Carneiro de Mendonça, o que levou Ibrahim a desistir de concorrer ao pleito. Nem mesmo a promessa de apoio suficiente para a sua vitória foi capaz de demovê-lo e fazê-lo voltar atrás de sua decisão, obrigando a diretoria a buscar por um outro nome.
Sócio do Fluminense há 32 anos, o advogado Francisco Luiz Cavalcanti da Cunha Horta, juiz titular de Vara de Execuções Criminais do Estado da Guanabara, aceitou de bate pronto o convite que lhe foi feito pelos conselheiros Ailton Machado e Sylvio Vasconcellos para ser o candidato da situação ao posto máximo do Tricolor. Jovem, inteligente, dinâmico, dotado do dom da oratória, seu nome rapidamente ganhou aceitação dentro do clube e em pouco tempo um grupo de 55 conselheiros assinavam um manifesto apoiando a sua candidatura. Vice-Presidente de Interesses Legais na gestão Laport, Horta tinha o apoio não só da atual diretoria como também de boa parte daqueles que tinham votado em Antônio Leite na última eleição.
Empresário do ramo imobiliário e da construção civil, Gil Carneiro de Mendonça, o candidato da oposição, pertencia a uma das mais tradicionais famílias de sócios do Fluminense. Tanto seu pai Fábio como seu tio Marcos haviam sido presidentes do clube. Aos 50 anos de idade – nascido em 21 de julho, dia de aniversário do Tricolor – e de estilo mais moderado, Gil era Grande Benemérito Atleta, tendo defendido as cores do Fluminense por quase 20 anos como jogador de voleibol. Enquanto seu oponente tinha em Jorge Frias de Paula e João Coelho Neto seus principais cabos eleitorais, Gil contava com o apoio do recém empossado presidente da FIFA, João Havelange.
Os dois candidatos tinham ideias e projetos muito parecidos. De fato suas plataformas de governo continham muitos pontos em comum. Gestão empresarial, saída do futebol das Laranjeiras, melhor aproveitamento da sede social, fortalecimento dos esportes amadores, maior incentivo às pratas da casa, eram alguns dos ideais que ambos compartilhavam, divergindo apenas na escolha dos nomes para po-los em prática.
Desta feita a campanha eleitoral ocorreu no mais alto nível, num clima de extrema cordialidade entre situação e oposição. Tanto os partidários de Horta como os de Gil estabeleceram uma luta sem troca de acusações ou críticas contundentes, com cada candidato se limitando a apresentar e defender suas propostas de governo. Horta era apontado como o grande favorito para ganhar a eleição. Seus adeptos previam sua vitória com mais de dois terços dos votos. Ciente da iminente derrota, Gil chegou a esboçar a retirada de sua candidatura, mas manteve-a apenas para não contrariar seu pai, que considerava questão de honra a sua participação.
As previsões se confirmaram no dia 7 de janeiro de 1975, data da eleição, com Horta obtendo 203 votos contra 82 de Gil, três em branco, um nulo e duas abstenções, num total de 291 presentes, superando em sete o número de eleitores do sufrágio anterior. Aos 40 anos de idade, Francisco Horta tornava-se o mais jovem presidente eleito do Fluminense desde Arnaldo Guinle em 1916. Confirmado o triunfo de seu candidato, o presidente Jorge Frias declarou que a vitória de Horta não era a vitória de um grupo ou facção e sim do Fluminense “que ganhou um presidente com todas as virtudes e capacidade para lhe dar uma administração condizente com as suas tradições”.
Mas a relação amistosa entre o presidente do Fluminense e o seu sucessor não duraria muito e antes mesmo da posse – inicialmente marcada para o dia 15 de janeiro mas adiada para o dia 30 para dar tempo da diretoria aprontar o relatório financeiro da gestão – ela começaria a estremecer. Isso porque o Francisco Horta de antes da eleição foi uma pessoa e o de depois, outra completamente diferente. “Há uma palavra de candidato e outra de presidente”, conforme ele mesmo admitiria posteriormente em reunião do conselho.
Disposto a revolucionar o futebol carioca, criando a mística do “vencer ou vencer”, sua política de contratação de grandes craques – jamais aludida antes da eleição – não encontrou ressonância nos setores mais conservadores das Laranjeiras, que temiam os altos custos dessas transações. Um ônus do qual acreditavam o Fluminense poderia ter dificuldades em se livrar. Em seu discurso de despedida durante a cerimônia de transmissão do cargo, o presidente Jorge Frias alertou sobre o perigo do clube se lançar numa aventura de consequências imprevisíveis despendendo altas somas na contração do que chamava, embora sem citar nomes, “medalhões”, jogadores que viviam só da fama e do nome. Mas quando Horta anunciou a presença de Vicente Matheus – com quem acertaria a compra do craque Rivellino no dia seguinte – no Salão Nobre e viu os conselheiros do clube saudaram o presidente do Corinthians de pé com uma ovação estrondosa, ele compreendeu que teria o apoio da grande maioria para se lançar em tão arrojada empreitada. Entre os nomes anunciados pelo presidente eleito e que constituiriam a sua administração estavam o de Hugo Molinaro para vice de futebol, Ângelo Chaves para vice médico e Sylvio Kelly para vice de esportes amadores. Esses dois últimos, futuros presidentes do Tricolor.
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