Inicialmente previsto para durar dois anos, como era norma no clube desde 1919, o mandato de Nelson Vaz Moreira foi estendido para três após reforma estatutária que, entretanto, tirou-lhe o direito à reeleição no período imediato. O Conselho Deliberativo deixou a inteiro critério do presidente prolongar ou não a sua administração, que terminaria em fevereiro de 1965. Após hesitar um pouco, Nelson acabou aceitando permanecer à frente do clube por mais um ano.
No início de 1965 já se tratava informalmente do sucessor de Nelson, que seria o diretor da CBD, Luiz Murgel. Mas o convite oficial ao antigo representante do Fluminense na Federação Carioca só seria efetuado em 22 de junho, quando, como era tradição no clube, um grupo de ex-presidentes, conselheiros e beneméritos se dirigiu à noite à residência do cardiologista para oficializar o convite. Murgel seria candidato único, pois os outros dois nomes que foram cogitados além do seu para a sucessão de Nelson, o do desembargador Elmano Cruz e o do ex-presidente Jorge Frias de Paula, não vingaram, visto que, mais de dois terços dos conselheiros já haviam se comprometido a apoiar o ex-tenista.
Além dos tradicionais “formação de uma grande equipe”, “apoio aos esportes amadores” e “estímulo às atividades sociais”, promessas padrão de toda campanha política no Fluminense, formuladas para agradar as três esferas do clube, Murgel foi bastante conservador em suas propostas de governo – como é o usual quando há um só candidato -, citando apenas, como metas de sua futura administração, a criação de um departamento de novos para testar jogadores em experiência, a adoção de preços diferenciados de ingressos de acordo com a importância da partida, a mudança da concentração dos jogadores de velhos casarões, como era até então, para hotéis de luxo e a manutenção do treinador Tim. Meses antes de eleito Murgel já tinha toda a sua diretoria constituída, figurando nela três futuros presidentes do clube: Gil Carneiro de Mendonça como vice de esportes amadores, Francisco Laport como vice médico e Sylvio Vasconcellos como vice de patrimônio. Este último, de forma oficiosa, pois como deferência especial, Affonso de Castro seguia como titular da pasta, embora seu estado de saúde na época o impedisse de frequentar o clube. O futebol por sua vez foi entregue mais uma vez à Dílson Guedes, que mesmo antes da posse começou a participar das reuniões do departamento, a fim de quando assumisse de fato, seu trabalho não sofresse solução de continuidade.
Agendada para o dia 13 de janeiro de 1966, a reunião do conselho que elegeria Murgel presidente acabou sendo adiada devido ao temporal que desabou sobre o Rio de Janeiro, deixando a cidade em estado de calamidade pública. Com a sede social debaixo d’água, sem luz e com as ruas no entorno das Laranjeiras alagadas e as pessoas ilhadas, o clube sequer abriu as portas na data programada e a eleição foi adiada para o dia 26, quando enfim Luiz Murgel foi eleito vigésimo-segundo presidente do Fluminense com 157 votos válidos e seis em branco. Com a eleição, Murgel abdicou de seu cargo na diretoria da CBD mas não abriu mão da sua posição de membro do Comitê Executivo da FIFA, tanto que, ao se ausentar do país durante a Copa do Mundo em julho, assumiu o Fluminense interinamente seu irmão Josefino Murgel, vice-presidente administrativo.
Nunca a política fervilhou tanto no Fluminense como em 1968. O mau momento vivido pelo futebol, que resultou na queda do vice Dílson Guedes, provocou uma crise sem precedentes nas Laranjeiras. Vários grupos de oposição, todos pedindo a cabeça do presidente Murgel, foram formados, e em princípio quatro nomes foram considerados para ser o próximo presidente do clube. O diretor da CBD, Antônio Carlos de Almeida Braga, era o preferido de Murgel para ser o candidato da situação. Braguinha, entretanto, não demonstrou interesse em deixar a CBD e indicou o representante do Fluminense na Federação Carioca, José Carlos Vilela, para concorrer ao pleito. Da oposição, por sua vez, surgiram três nomes: Gil Carneiro de Mendonça era apontado pela turma dos esportes olímpicos, os mais radicais contra a administração Murgel apoiavam Sylvio Vasconcellos e o grupo favorável ao futebol via em Wilson Xavier o porta-voz de suas reivindicações. Nenhum deles, porém, chegou a formar chapa, e a eleição, que pela primeira vez na história do Fluminense teria três candidatos, acabou sendo disputada por outros nomes.
O vice-presidente médico, Francisco Laport, curiosamente filho de um dos fundadores do Flamengo, foi o primeiro a ter sua candidatura oficializada. Aos 57 anos de idade, dos quais 46 frequentando as Laranjeiras, Laport, lançado como candidato da situação, tinha como principal promessa de campanha a construção de um estádio com capacidade para 30-40 mil pessoas em Vila Isabel para os jogos deficitários do Maracanã. Entre os notáveis que visitaram o pediatra em sua residência na Urca em 13 de agosto de 1968 oficializando o convite figuravam Luiz Murgel, João Havelange, Nelson Vaz Moreira, Antônio Leite e João Coelho Neto, o popular Preguinho, que a essa altura ganhara fama de pé-quente, pois todos os candidatos que apoiava invariavelmente venciam as eleições. Mas Laport ganhou apoio também fora das Laranjeiras, em especial do “Jovem Flu” – nenhuma relação com a torcida organizada de mesmo nome -, grupo de celebridades tricolores como Chico Buarque, Ronaldo Bôscoli, Elis Regina, Hugo Carvana e Nelson Motta, que se engajaram oficiosamente na sua campanha. O dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues foi outro que emprestou apoio ao vice-médico tricolor, publicando diversas crônicas à seu favor.
A chapa “Tradição com evolução”, lançada em 5 de novembro no Salão Nobre, foi encabeçada pelo industrial Álvaro Cardoso Feio. Santista de nascimento mas “Cidadão Carioca”, título que lhe foi conferido pela Assembleia Legislativa, o ex-vice-presidente de publicidade da administração Murgel era o azarão da disputa. Sua plataforma incluía a transferência do futebol profissional para a Ilha do Governador e o reaproveitamento do campo das Laranjeiras com a construção de garagem subterrânea, ginásio, quadras, cinema, colégio e até um lago artificial para recreação dos sócios! Se eleito, integrariam sua diretoria o professor da Escola de Educação Física e Desportos, Alfredo Colombo, como superintende – espécie de presidente-executivo remunerado -, e o Diretor do Museu da Imagem e do Som, Ricardo Cravo Albim, como vice social. Sócio do Fluminense há 26 anos sendo os últimos dez como membro do conselho, seu principal cabo eleitoral era o antigo diretor de futebol, Benício Ferreira Filho. Feio afirmava que a principal diferença sua dos demais candidatos era que ele pensava grande e não tinha medo de contrair dívidas!
O último pretendente a lançar candidatura foi o ex-presidente Jorge Frias de Paula, que após muita insistência do grupo ligado aos esportes olímpicos aceitou concorrer ao cargo máximo do Fluminense pela sexta vez. Seu nome foi anunciado oficialmente em reunião do conselho em 28 de novembro por Gil Carneiro de Mendonça, falando em nome de cerca de 40 beneméritos do clube que também o apoiavam. O ex-nadador era sem dúvida o mais conservador dos três candidatos, o mais racional, o mais “pé-no-chão”. A carta-circular, redigida de próprio punho, que apresentou ao conselho expondo sua plataforma de governo, não continha promessas mirabolantes nem projetos inexequíveis e além de abordar as obras realizadas e os títulos conquistados na sua tríplice gestão, tinha como principal pilar a busca pelo equilíbrio financeiro que sempre sublinhou as suas administrações. Um dos maiores divulgadores de sua chapa, denominada “Affonso Teixeira de Castro” em homenagem ao falecido dirigente, era o antigo presidente da ADEG, Emílio Ibrahim.
No dia da eleição, marcada para as 21h30m de 7 de janeiro de 1969, todos os candidatos chegaram cedo às Laranjeiras e aproveitaram para jantar no restaurante do clube. Laport apresentava-se sereno e permaneceu a maior parte do tempo sentado em frente ao local onde estava colocada a urna. Frias, sisudo como de hábito, era aparentemente o mais calmo e na hora da votação não se sentou, preferindo ficar na porta do Salão Nobre conversando com seus correligionários. Feio mostrava-se tranquilo, reconhecia que não tinha chances, declarando-se satisfeito por ter agitado a eleição. O presidente do Conselho Deliberativo, Fábio Carneiro de Mendonça, abriu a sessão, 261 conselheiros responderam a chamada, e apenas um, o próprio Fábio, deixaria de votar. Muito doente, conduzido em cadeira de rodas, o tricampeão Zezé, em sua última aparição pública, foi o primeiro a votar. Às 22h30m faltou energia elétrica e o clube ficou às escuras – do que se aproveitaram alguns conselheiros para gritar “cuidado com as urnas” -, o que não impediu o prosseguimento dos trabalhos, embora em ritmo mais lento, que continuaram sob luz de lampião. As luzes só voltaram a se acender às 23h50m, sendo recebidas por aplausos pelos que se encontravam no Salão Nobre. Antes mesmo de sair o resultado do pleito já se sabia o vencedor, pois a caixa coletora de cédulas de Laport apresentava-se visivelmente mais cheia que as de Frias e Feio. A votação terminou às 0h20m e a apuração começou logo em seguida, sendo o resultado final anunciado à uma hora da madrugada. O pediatra Francisco Laport era o novo presidente do Fluminense, eleito com 146 votos para o triênio 1969-1970-1971, contra 98 dados à Frias, apenas 12 à Feio e quatro votos nulos.
A opinião geral era que a eleição fora decidida exclusivamente pelo momento ruim vivido pelo futebol. Embora se reconhecesse que Jorge Frias levara alguma desvantagem devido ao lançamento tardio de sua candidatura, era indiscutível que vencera o candidato mais antenado com o futebol, evidenciando a preocupação de todos com o futuro do Tricolor no esporte. Com a eleição de Laport assumiu a vice-presidência de futebol, João Boueri, diretor na gestão de Luiz Murgel. Além disso, dois novos cargos foram criados, ambos remunerados: o de Gerente, com a função de tratar de contratos e da parte burocrática do departamento, e o de Supervisor, com a atribuição de supervisionar todas as diferentes categorias, observar e comprar jogadores e acompanhar as delegações nas viagens. Para preencher essas vagas foram convidados, respectivamente, José de Almeida, dirigente da CBD com mais de 40 anos de serviços prestados ao Fluminense, e Adolfo Milman, o Russo, antigo jogador e treinador do clube.
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