Apesar dos apelos insistentes de todos os setores do clube para que permanecesse no cargo de presidente do Fluminense por mais dois anos, candidatando-se à reeleição, Jorge de Freitas tornou público em dezembro de 1956, após comunicar primeiro aos Conselhos Diretor e Deliberativo, que não pleitearia um segundo mandato. Os motivos de sua recusa eram puramente ideológicos, pois por princípio, era contra reeleições. Mas o desgaste natural do cargo e o desejo de dedicar mais tempo à sua família também influíram em sua decisão. Encerrava-se, assim, a “regra dos quatro anos” que vinha sendo obedecida desde a época de Manoel de Barros Netto.
Ao mesmo tempo que declarava publicamente a sua decisão, Jorge de Freitas indicava o nome do vice-presidente de finanças e candidato por ele derrotado na última eleição, Jorge Frias de Paula, à sua sucessão. Houve quem não tivesse gostado do lançamento da candidatura do antigo campeão de natação, por acreditar não ser da alçada do presidente escolher candidatos e por julgar Jorge Frias excessivamente ligado aos esportes amadores, justamente num momento em que o futebol tricolor necessitava de maiores atenções. De fato, durante o banquete em homenagem ao presidente em fim de mandato, no dia 28 de dezembro, foi levantada a hipótese do Ministro Luiz Gallotti também concorrer ao pleito, mas este, ao tomar conhecimento do movimento em torno de uma possível candidatura sua, agradeceu sensibilizado a lembrança de seu nome e declinou o convite, alegando que os seus afazeres como ministro do Supremo Tribunal Federal impediam-no de poder dedicar-se de corpo e alma ao seu clube do coração. Jorge Frias de Paula seria, portanto, candidato único ao posto máximo do Tricolor.
Durou menos de meia-hora a sessão do conselho que elegeu Jorge Frias de Paula o vigésimo presidente do Fluminense em 21 de janeiro de 1957 para o biênio 1957-1958. Quaisquer que fossem as restrições quanto a sua candidatura, elas não se refletiram na urna, que apresentou 168 votos com o seu nome, sete votos nulos e apenas duas cédulas em branco. Ao ser reconduzido ao Salão Nobre, onde foi recebido por uma salva de palmas e comunicado oficialmente de sua eleição para presidente, Jorge Frias agradeceu a significativa votação com que fora eleito e expressou, em carta dirigida ao conselho, sua vontade em levar adiante o plano de expansão elaborado pelas administrações anteriores, mas que nunca saíra do papel. Em entrevista aos jornais nos dias seguintes, Frias voltaria a falar sobre esse tema, desmentiria os rumores de uma suposta aversão sua ao futebol, lembrando aos repórteres que era descendente direto de dois jogadores e fundadores do clube – Mário Frias e Félix Frias, respectivamente seu primo-tio e tio por parte de mãe -; e mencionaria, também, alguns dos diretores que fariam parte de sua administração, entre eles o intocável Castrinho!
A eleição de janeiro de 1958 para composição do Conselho Deliberativo do Fluminense, agora com mandato de quatro anos, foi a mais movimentada da história do clube até então. Isso porque duas chapas concorreram ao pleito, uma de situação, chamada “Taça Olímpica” e outra de oposição, denominada “Renovação Tricolor”. A primeira, ligada aos esportes olímpicos, pregava a continuidade, “a manutenção da tradicional linha de conduta do clube”, conforme afirmou Fábio Carneiro de Mendonça, um de seus líderes, que complementou: “O Fluminense não foi feito para ser querido, mas para ser admirado e respeitado.” Entre os nomes que a apoiavam estavam o de vários atletas tricolores como Ronald Vaz Moreira, Sylvio Kelly dos Santos, José Pereira Antelo e José Gil Carneiro de Mendonça. Neófitos em política tricolor na época, mas personagens que ganhariam relevância política no clube com o passar dos anos, eles publicariam um manifesto de repúdio à chapa de oposição, a quem acusavam de querer relegar os esportes amadores à segundo plano. Do outro lado estavam gente como Manoel de Barros Netto, Gastão Soares de Moura, Dílson Guedes e Benício Ferreira Filho, todos ligados ao futebol, que, entretanto, propagavam apenas uma renovação e um rejuvenescimento do conselho. Quase 1.800 associados compareceram ao pleito e a vitória da chapa de situação por ampla maioria de votos pode não ter alterado o status quo existente nas Laranjeiras mas a própria eleição em si externou pela primeira vez a divisão entre “Futebol” e “Esportes Olímpicos” que pautaria todas as eleições futuras do Fluminense.
Mais pelo resultado das obras de expansão que realizava do que em consequência da tradição de reeleição nas Laranjeiras, Jorge Frias teve o seu nome lançado para presidir o clube por mais um biênio, por um grupo de conselheiros que o visitou em sua residência no final de 1958. Na ocasião foi lhe apresentada uma moção contendo a assinatura de 187 conselheiros apoiando a sua reeleição. Mais da metade do número de membros do conselho, portanto, que era 243, o que garantia a sua vitória por antecipação, mesmo no caso do lançamento de uma segunda candidatura. Entre os signatários do documento que estiveram em seu apartamento oficializando o convite, figuravam Affonso Teixeira de Castro, Arthur de Moraes e Castro, Fábio Carneiro de Mendonça, João Coelho Netto, José Carlos Guimarães, Luiz Murgel, João Havelange e Nélson Vaz Moreira, este último o único outro nome que foi cogitado para sucedê-lo. Sem concorrentes, Jorge Frias de Paula seria sufragado para permanecer mais dois anos comandando o Fluminense quase que por unanimidade, com 160 dos 170 conselheiros presentes à eleição do dia 21 de janeiro de 1959 ratificando o seu nome.
Nem que não quisesse Jorge Frias de Paula deixaria de ser eleito para um terceiro mandato. Esse era o sentimento que reinava nas Laranjeiras ao aproximar-se o fim de sua segunda gestão. A construção do parque aquático, o bom momento financeiro vivido pelo clube e os sucessos recentes no futebol, em que pese a perda do título de 1960 para o América, eram a garantia de sua reeleição. Um grupo de sete conselheiros (João Havelange, Nelson Vaz Moreira, Affonso Teixeira de Castro, João Coelho Netto, João Alves de Moura, Luiz Murgel e José Carlos Guimarães), praticamente os mesmos que haviam lançado o seu nome dois anos antes, representando grande parte do Conselho Deliberativo, publicaram no dia 11 de janeiro de 1961 um abaixo assinado conclamando-o para um novo período presidencial. Eleito pela crônica esportiva por duas vezes “o presidente do ano”, a aprovação à sua administração era tamanha que chegou-se a especular que ele pudesse ser eleito excepcionalmente por aclamação, distinção que na história do clube só Oscar Cox obtivera. Mas tal não ocorreu, e Jorge Frias de Paula foi reconduzido ao posto máximo do Tricolor no dia 16 com 129 votos, 14 conselheiros optando por votar em branco. Exceção feita a apenas dois nomes, Frias manteria a mesma equipe de diretores que já vinha atuando em sua administração, permanecendo Dílson Guedes à frente do futebol.
Por longos seis anos quase uma unanimidade dentro das Laranjeiras, eleito presidente três vezes sem qualquer tipo de contestação, o reinado de Jorge Frias de Paula no Fluminense começou a ruir após a demolição de parte do anel das arquibancadas do estádio para duplicação da Rua Pinheiro Machado, um dos maiores crimes patrimoniais da história do Rio de Janeiro, talvez superado apenas pela demolição do Pálácio Monroe durante o regime militar. Não que o presidente fosse diretamente responsável pela transgressão, uma imposição do Governo da Guanabara que indenizou o clube a contento. A analogia aqui é apenas simbólica e os reais motivos que levaram um considerável grupo de dignatários do Tricolor, que por anos a fio apoiaram o antigo campeão de natação, a migrarem para um outro candidato na eleição de 1963, necessita de outra explicação.
Ao longo da história as eleições para presidente do Fluminense, salvo raras exceções, foram sempre acordadas, definidas de antemão, com os principais caciques da politica tricolor indicando um nome de consenso que era apenas ratificado pelo conselho no dia da eleição. Em 1961 não foi diferente, e ante o prestígio que Jorge Frias desfrutava na época, o banqueiro Nelson Vaz Moreira desistiu de sua candidatura e compôs com o presidente uma chapa única para a eleição. Em reunião realizada na sala da diretoria, em que se formalizou a desistência de Nelson, este e mais Luiz Murgel e João Havelange comunicaram à Jorge Frias seu propósito de serem, naquela ordem, os três próximos presidentes do Fluminense, e ouviram dele um “Está bem”, entendido por eles como uma anuência sua em não candidatar-se a uma nova reeleição. Agora, dois anos depois, Jorge Frias pleiteava um quarto mandato, quebrando, segundo Nelson, Murgel e Havelange, o acordo tácito anteriormente firmado. Frias por sua vez negaria ter celebrado qualquer acordo, afirmando que apenas anuíra em que fossem candidatos, sem assumir qualquer tipo de compromisso. Foi portanto por causa de uma dubiedade na interpretação de uma expressão composta de duas palavras que o presidente perdeu todos os seus principais aliados políticos.
Anunciada em agosto e lançada oficialmente com um banquete na sede do clube em 12 de setembro de 1962, a candidatura Nelson Vaz Moreira encontrou forte ressonância não só dentro como fora das Laranjeiras. Seu plano de governo que incluía, entre outros, a criação de uma escola de futebol para formação de jogadores, a construção de um edifício residencial para os funcionários no alto do morro nos fundos do terreno de Álvaro Chaves e principalmente a promessa de montagem de um grande time de futebol entusiasmou até quem não era Fluminense. A imprensa passou a acompanhar as eleições do Fluminense com um interesse fora do comum e todo cronista esportivo se viu no direito de opinar sobre a eleição, alguns até tomando partindo de um ou de outro candidato, como o botafoguense Armando Nogueira que revelou torcer pela vitória de Nelson. Apoiavam a candidatura do gerente do Banco Comercial do Estado de São Paulo seis ex-presidentes: Marcos e Fábio Carneiro de Mendonça, Oscar da Costa, Alaor Prata, Antônio Leite e Jorge Amaro de Freitas; e também Arthur de Moraes e Castro, José Carlos Guimarães, João e Paulo Coelho Netto, Benício Ferreira Filho, além, é claro, de Luiz Murgel e João Havelange.
Mais sóbrio, menos afeito a confetes e serpentinas, de temperamento pouco expansivo, alguns diriam até antipático, Jorge Frias de Paula só lançaria sua candidatura no mês seguinte, com menos pompa e circunstância que seu antigo vice de finanças. Sua plataforma eram as suas realizações: o plano de expansão executado, o novo parque aquático, o restaurante recém inaugurado, o salão nobre agora refrigerado, e em especial, o saldo de 100 milhões de cruzeiros nos cofres do clube, que surpreendentemente só atraiu dois candidatos. Sua lista de apoiadores era bem menor que a de seu concorrente, mas não menos expressiva, valendo citar Affonso Teixeira de Castro, Afrânio da Costa, George Sumner, Dílson Guedes, Agostinho Fortes Filho e Oswaldo Gomes.
A campanha ocorreu dentro dos moldes tradicionais do Fluminense, intramuros, sem debates, controvérsias ou polêmicas, com os dois candidatos se mantendo deliberadamente reservados, evitando entrevistas. Mas a aparente tranquilidade escondia uma acirrada disputa entre as duas correntes, cuja relação de cordialidade não era suficiente para encobrir o mundo de pequenas incompreensões e desentendimentos que as separavam, numa cisão igual, se não maior, que a da eleição para o conselho deliberativo de 1958. Os partidários de Nelson lembravam os correligionários de Frias que o Plano de Expansão não era criação dele e seria executado qualquer que fosse o presidente, e argumentavam que ele fizera pouco pelo futebol, concentrando suas atenções nos esportes olímpicos. Os apoiadores de Jorge Frias por sua vez criticavam a tentativa (fracassada) dos conselheiros de oposição de mudar as regras da eleição, propondo uma mudança estatutária que obrigasse o candidato a ser eleito a ter não mais a metade dos votos mais um, e sim a maioria absoluta (80%) do conselho, segundo eles uma manobra para dificultar a reeleição do presidente.
Zezé Moreira era outro ponto de atrito entre as duas facções. Homem de personalidade forte e técnico de inegáveis méritos, Zezé era considerado pela oposição um preparador ultrapassado e um ponto de desgaste da candidatura Frias. Mas a boa campanha do Fluminense na reta final do estadual, com um time inferior ao dos outros grandes, aumentou o prestígio de Zezé e mudou um pouco essa concepção, ainda mais que muitos tinham como certo que o Flu teria dificuldades em encontrar um substituto à altura. No caso da eleição de Nelson, que tinha planos de formação de uma comissão técnica nos mesmos moldes da existente na CBD, restringindo ao máximo os poderes do técnico, era quase certo que Zezé, cujo contrato se encerrava em abril, não continuaria no clube, pois era do conhecimento de todos que ele não aceitaria trabalhar num regime de autoridade limitada.
O candidato de oposição, Nelson Vaz Moreira, era apontado como favorito. Seus cabos eleitorais estimavam sua vitória por ampla maioria de votos, na proporção de dois para um. Às vésperas da eleição, marcada para o dia 17 de janeiro, circularam rumores que Jorge Frias ao perceber que sua derrota era inevitável, havia proposto ao seu concorrente a retirada das duas candidaturas em favor de uma terceira, o que foi desmentido categoricamente pelo presidente.
O grande dia chegou e três horas antes do pleito, marcado para às 21 horas, a movimentação na sede do clube já era intensa. Dos 301 conselheiros habilitados a votar, compareceram 271, um número recorde, superando por boa margem a eleição de 1955. Ficou assentado que os conselheiros favoráveis a Nelson Vaz Moreira se colocariam à direita do salão nobre, ficando os partidários de Jorge Frias à esquerda. Das galerias lotadas, os associados do clube podiam antever o resultado, tantas eram as cadeiras vagas à esquerda, quantos os que tiveram que ficar em pé à direita por falta de lugar para sentar. Os dois candidatos foram convidados para juntos hastearem a bandeira do clube, ao som do hino tricolor, dando início a cerimônia. Em seguida foi lida carta de Arnaldo Guinle, mais uma vez ausente, e como requer a um bom patrono, não tomando partido de nenhum dos lados, elogiando os dois concorrentes. A votação começou logo em seguida e o primeiro a depositar sua cédula na urna foi o benemérito-atleta General Antônio Pereira Lira, que gravemente enfermo, chegou de ambulância, e debaixo de palmas, carregado por sua enfermeira e médico, cumpriu sua obrigação clubística. A votação foi tranquila e rápida e antes das últimas horas da noite já se conhecia o desfecho: Nelson Vaz Moreira era o novo presidente do Fluminense eleito com 187 votos contra 79 dados à Jorge Frias para o biênio 1963-1964. Houve ainda dois votos nulos e três em branco. Após a divulgação do resultado, o ex-campeão de tênis, em rápido discurso, agradeceu a indicação de seu nome e conclamou que todos, vitoriosos e vencidos, se unissem e trabalhassem em prol da grandeza do Fluminense. Pela primeira vez na história um candidato de oposição vencia uma eleição para presidente do Fluminense.
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