Durante os festejos do cinquentenário do Fluminense, o presidente Fábio Carneiro de Mendonça anunciou sua intenção de não concorrer a um terceiro mandato. Nas semanas que se seguiram, um único nome surgiu com força suficiente para sucedê-lo no espinhoso cargo: o do antigo presidente da Federação Metropolitana de Tênis, Antônio Leite, sócio do Fluminense desde 1932. O convite oficial ao industrial mineiro aconteceu em sua residência em Copacabana no dia 2 de outubro de 1952, quando um grupo de cerca de 50 conselheiros, liderados pelo Ministro Luiz Gallotti e integrado por membros das duas correntes políticas existentes no clube, lhe fez o apelo. Uma vez que seria candidato único, e contaria, portanto, com o apoio de todos os tricolores, Antônio Leite concordou com a indicação de seu nome ao supremo posto do Tricolor. Retomava, assim, o Fluminense, a sua tradicional norma de conduta quanto à sucessão presidencial que sempre fora processada sem lutas, excetuando a última eleição, quando concorreram dois candidatos.
Antônio Leite foi eleito em 12 de janeiro de 1953 com 139 votos de 140 possíveis, o único sufrágio divergente ao seu assinalado para Affonso Teixeira de Castro, que aliás, não é nenhum disparate imaginar ter sido proporcionado pelo próprio presidente eleito. Castrinho foi por sinal o único nome anunciado por Antônio Leite antes da eleição para compor a nova direção do clube. Em seu discurso de agradecimento, Antônio Leite revelou seu intuito de tirar o futebol das Laranjeiras, através de uma plano de expansão que envolvia a aquisição de um terreno e a construção de uma “Vila de Futebol” com campo de treinamento e concentração para os jogadores. Inicialmente marcada para o dia primeiro de fevereiro, a transmissão do bastão presidencial acabou adiada para depois do Carnaval, devido ao atraso na confecção do relatório anual da diretoria em fim de mandato. Realizada, enfim, no dia 23 de fevereiro, a cerimônia de posse de Antônio Leite contou, curiosamente, como era comum na época, com a presença de dirigentes de outros clubes, como Cyro Aranha, presidente do Vasco, e Gilberto Cardoso, mandatário do Flamengo.
Ao se aproximar o período eleitoral seguinte, nomes como Luiz Murgel, representante do Fluminense na Federação Metropolitana de Futebol, Jorge Amaro de Freitas, diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro, João Havelange, presidente da Federação Metropolitana de Natação, e Benício Ferreira Filho, diretor de futebol na segunda gestão de Fábio de Mendonça, foram especulados como possíveis candidatos à sucessão de Antônio Leite. Mas com a confirmação da candidatura do presidente vigente à reeleição, em novembro de 1954, todos os pretendentes ao posto máximo do clube abdicaram de suas eventuais candidaturas. Prevalecia a tradição tricolor de sempre reeleger seus presidentes para um segundo mandato, baseado na tese de que a gestão de um presidente do Fluminense era efetivamente de quatro anos, com uma eleição de caráter meramente formal inserida no meio. Dois anos sendo considerado um período muito curto para a realização de um programa de governo.
A ruidosa demissão de Zezé Moreira, a repercussão negativa com o fim das concentrações e os maus resultados recentes, não abalaram a reeleição de Antônio Leite, mas tiraram-lhe a unanimidade, com 18 dos 149 conselheiros presentes à assembleia que o reelegeu em 31 de janeiro de 1955 para mais dois anos de mandato votando em branco. Um número excessivamente alto, sinal de algum conformismo ou mesmo de uma certa insatisfação dentro do clube. Antônio Leite reafirmou nessa data seu desejo de separar o futebol do clube social, levando-o não mais para a Barra da Tijuca – o Conselho Deliberativo havia reprovado essa ideia por maioria de votos em setembro de 1954 devido aos altos valores envolvidos -, e sim para um terreno na Avenida Brasil de menor custo. Por fim, o presidente do Fluminense renovou quase que por completo o Conselho Diretor em relação ao seu primeiro mandato, mantendo apenas o vice-presidente de Patrimônio, Affonso Teixeira de Castro, figura intocável dentro da administração do clube.
Durou pouco mais de dois meses o segundo mandato do presidente Antônio Leite pois na madrugada do dia 21 de abril, feriado de Tiradentes, o paredro tricolor anunciou inesperadamente a sua renúncia em caráter irrevogável. A notícia estourou como uma bomba nas Laranjeiras e pegou a todos de surpresa, pois na noite do dia 20 Antônio Leite havia participado de uma reunião de diretoria e em nenhum momento havia comentado algo sobre suas intenções, inclusive combinando uma nova reunião para o dia seguinte. Em entrevista aos jornais, o presidente demissionário alegou motivos particulares para o seu afastamento, a necessidade de ter de dedicar mais tempo aos seus negócios, e consequentemente, menos tempo ao Fluminense. Explicou, também, ter comunicado sua decisão de supetão e na calada da noite com o único propósito de evitar possíveis apelos para que continuasse à frente do clube, o que fatalmente ocorreria se tivesse anunciado com antecedência o seu intento. Entretanto, como sempre acontece nesses casos, surgiram rumores de que os motivos de sua atitude extrema teriam sido outros, como um possível desentendimento com seus diretores ou mesmo o mau momento esportivo e financeiro vivido pelo Flu. Antônio Leite desmentiu categoricamente esses boatos, afirmando: “Nunca estive tão bem com o Fluminense, nem o Fluminense tão bem comigo.” Em face a renúncia assumiu interinamente a presidência o patrono do clube, Arnaldo Guinle, até que fossem realizadas nova eleições, posteriormente marcadas para o dia 9 de maio.
Uma vez confirmada a demissão de Antônio Leite, o nome que surgiu com maior força para sucedê-lo foi o do vice-presidente de finanças, Jorge Amaro de Freitas. No dia 22, um grande grupo de tricolores, entre eles, Manoel de Barros Netto, Roberto Peixoto, Arthur de Moraes e Castro (Laís), Hugo Fracarolli, Benício Ferreira Filho, Gastão Soares de Moura, os irmãos João e Paulo Coelho Netto e Oswaldo de Andrade, foram a casa do cunhado de Preguinho convidá-lo para ser presidente do clube. Quando chegaram, Jorge de Freitas e sua esposa, Violeta Coelho Netto, estavam assistindo televisão. Após levantar-se para receber os visitantes inesperados e oferecer-lhes cadeiras, Jorge de Freitas, depois de vê-los todos acomodados, foi desligar o aparelho de tv. No que aproveitou Oswaldo de Andrade para dizer: “É bom mesmo desligar já, porque você só vai ligar a televisão de novo daqui a dois anos!” Surpreso com o convite, o ex-tenista Jorge de Freitas, aceitou de imediato a enorme responsabilidade que lhe foi jogada nos ombros. Mas ele não seria candidato único pois no mesmo momento que dizia “sim”, João Havelange articulava o lançamento da candidatura de um outro Jorge!
O ex-nadador Jorge Frias de Paula, sobrinho de um dos fundadores do Fluminense, encontrava-se em Buenos Aires em viagem de recreio ao mesmo tempo que João Havelange, secundado pela “turma da piscina”, ia de casa em casa dos conselheiros do Fluminense pedindo-lhes voto para o antigo campeão de natação tricolor. Curiosamente, Jorge Frias só veio saber que era o candidato de oposição à presidência do Fluminense em trânsito, e ao desembarcar no Rio no dia 29, ainda na sala de estar do navio, após ouvir as explanações de João Havelange, declarou-se pronto em envidar os maiores esforços a fim de bem servir o Fluminense. Um dos principais apoiadores de sua candidatura seria o representante do Fluminense na Federação Metropolitana, Luiz Murgel.
Amigos de infância, colegas desde o primário do Liceu Francês, e dedicados ao mesmo ramo de negócios (indústria têxtil), os dois Jorges se reuniram e acertaram que o candidato vencido faria parte da administração do vencedor, e além disso, num gesto de extrema fidalguia, Jorge de Freitas afirmou publicamente que daria o seu voto à Jorge Frias, que retribuiu o gesto, afirmando que votaria no seu concorrente na eleição. Nunca na história do Fluminense, antes ou depois, a linha que separava um candidato de situação de um de oposição foi tão tênue. Nos dias que antecederam o pleito, ambos os postulantes ao cargo máximo do clube, nenhum deles ligado ao futebol, tiveram que dar declarações pró-profissionalismo, tamanho era o receio dos torcedores tricolores de que eles fossem favoráveis a extinção do futebol profissional do clube, um temor recorrente na época.
Nada menos que 243 conselheiros, dos 285 que compunham o Conselho Deliberativo, compareceram ao escrutínio que sufragou o nome de Jorge Amaro de Freitas para comandar o Fluminense praticamente para um novo biênio, pois ainda restavam vinte meses da gestão de Antônio Leite. A candidatura de Jorge Frias havia crescido muito nos últimos dias, mas não o suficiente para impedir a vitória por 153 votos à 90 do candidato mais jovem. Desde as primeiras horas da noite já era grande o movimento na sede de Álvaro Chaves, deixando antever um comparecimento recorde às urnas, o que acabou se confirmando. Figuras de prestígio, muitas delas afastadas há anos do convívio tricolor como Edwin Cox, que há 30 anos não comparecia à reuniões, apareceram para votar. A sessão foi aberta com a leitura da carta do presidente-renunciante, Antônio Leite, expondo os motivos que o levaram a deixar a direção máxima do clube. Seguida de missivas de Arnaldo Guinle e Fábio de Mendonça justificando suas ausências ao pleito. Jorge de Freitas por sua vez, após eleito, falou em seu discurso de posse, excepcionalmente efetuada imediatamente após à eleição: “Terei sempre presente que o nosso clube é Fluminense Football Club. Para o futebol ele nasceu, com o futebol deve continuar”, para alívio de muita gente. Jorge Frias, o candidato derrotado, deu um forte abraço no seu adversário nas urnas, que conforme prometido fez do antigo nadador o seu vice-presidente de finanças. João Havelange, principal cabo eleitoral de Jorge Frias, analisaria o resultado do pleito tricolor, da seguinte forma, dias depois: “Quem elegeu o Jorge de Freitas foram os velhinhos do clube. Se tivesse chovido na noite da eleição, com certeza que o Frias teria ganho.” Já a cantora lírica Violeta Coelho Netto, segundo seu irmão Preguinho o principal obstáculo que teve que ser vencido para o “sim” de seu marido, afirmaria dois meses depois: “Com a presidência do Fluminense, o Jorge já perdeu quase cinco quilos. É por isso que eu não queria que ele aceitasse…”
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