Com a renúncia de Marcos de Mendonça, assumiu o clube interinamente, em conformidade com os estatutos, o presidente do Conselho Deliberativo Mário Pollo, que convidou todos os diretores da administração renunciante a permanecerem em seus postos até a eleição do novo presidente, que ainda por força estatutária deveria se dar em no máximo trinta dias. Devido a impossibilidade de Arnaldo Guinle assumir a presidência de imediato, entretanto, a eleição acabou sendo postergada até o início de dezembro, quando enfim o Patrono do Fluminense foi eleito por unanimidade de votos para completar o tempo restante do mandato em vigor (1944) mais o biênio subsequente (1945 e 1946). Como a essa altura a reforma dos estatutos, que previa nova estrutura para a administração tricolor, já havia sido votada e aprovada, foram empossados, também, sete vice-presidentes, um para cada área específica do clube (Social, Financeiro, Legal, Patrimônio, Publicidade, Desportos Amadores e Futebol Profissional), extinguindo-se, portanto, o cargo de vice-presidente geral, que vinha sendo exercido nos últimos anos por um triunvirato.
Ao aceitar retornar à presidência do Tricolor, Arnaldo Guinle tinha como principal objetivo resolver a questão da dívida do Fluminense com a União relativa a ampliação do estádio por ocasião dos Jogos Latino-Americanos de 1922, já que fora ele, como presidente do clube na época, o responsável pelo empréstimo junto ao governo federal da importância necessária para a realização do evento. Usando de toda a sua habilidade e influência política, Arnaldo Guinle conseguiu em janeiro de 1946 que o governo relevasse a dívida de quase três milhões de cruzeiros em troca da cessão gratuita das dependências do clube para uso da Escola Nacional de Educação Física e Desportos até o final de 1947. Julgando cumprida a sua missão, Arnaldo anunciou, imediatamente após a publicação do decreto do governo oficializando o acordo, a sua renúncia à presidência do clube, ainda restando um ano de mandato a cumprir.
O nome escolhido para sucedê-lo foi o do engenheiro Manoel de Moraes Barros Netto, eleito em 4 de fevereiro com 106 votos. Numa reunião de quase quatro horas e meia de duração, grande parte dela foi ocupada discutindo se o conselheiro Manoel Jorge Lopes deveria receber o título de benemérito ou não, pois embora ele tivesse prestado serviços relevantes ao clube, havia assinado um documento contrário aos interesses da instituição por ocasião da tentativa de fusão com o Yatch. A maioria dos conselheiros foi a favor da homenagem, mas os votos não foram suficientes para garantir-lhe a benemerência, o que só ocorreria no ano seguinte. Outro ponto levantado foi a duração do mandato que ora se iniciava e que seria de apenas um ano. De fato a administração Arnaldo Guinle encerrava um biênio, mas fora uma disposição transitória do estatuto – excepcionalmente não havia tido eleição em 1945 – e prevalecia o regimento do clube que estipulava alternância de anos nas eleições para presidente do Conselho Deliberativo (anos pares) e presidente (anos ímpares). Arnaldo Guinle fez um belo discurso de despedida e Barros Netto não ficou muito atrás ao tomar posse, dando uma alfinetada no conselheiro Sydney Haddock Lobo, que voltara à carga em sua tentativa quixotesca de extinção do, segundo ele, “malfadado” futebol profissional, para ele um “cancro” dentro do clube. Sua proposta recebeu apenas cinco votos à favor.
O título do supercampeonato de 1946 e o superávit nas contas do clube garantiram a reeleição de Barros Netto no início de 1947. Exatos cem conselheiros participaram da assembleia de 21 de janeiro que o reelegeu com 98 votos para mais dois anos de mandato. A eleição para presidente do Fluminense era apenas um dos itens da pauta dessas assembleias, e raramente ocupavam mais de trinta minutos de reuniões que por vezes se extendiam por horas. Entre a leitura de cartas e ofícios dirigidos ao Conselho, aprovação de contas, concessão de títulos honoríficos e votos de louvor e pesar, entre outros, predominavam os Assuntos Gerais que eram os mais variados. Esse ano o tema que dominou a reunião foi se o jogo de Bridge deveria continuar sendo permitido nas dependências do clube, cujos estatutos proibiam jogos de azar. Ao final nada ficou resolvido, a decisão sobre o assunto postergada para a próxima reunião. A posse oficial de Barros Netto, embora tratasse da continuação de uma administração, se deu em uma outra assembleia, em 13 de fevereiro, a primeira vez na história do clube que ela não ocorria simultaneamente à eleição.
O resultado da eleição de janeiro de 1949 que sufragou o nome do médico Fábio Carneiro de Mendonça para comandar o Fluminense pelos próximos dois anos, expôs um clube dividido. Eleito com 44 votos, o irmão mais novo de Marcos viu 38 conselheiros discordarem de sua escolha e votarem em branco. O enredo dessa história começa um ano antes, em janeiro de 1948, quando da renovação do Conselho Deliberativo formaram-se duas correntes dentro do clube, uma de situação, liderada entre outros por Roberto Peixoto, e outra de oposição – a eventual chapa vencedora -, tendo Antônio Leite à frente. Ao final do ano, com Barros Netto licenciado, tratando da saúde, e portanto, impossibilitado de se reeleger, a família tricolor procurou por uma fórmula que evitasse o embate eleitoral e os dois grupos concordaram com a indicação de Fábio, figura de prestígio dentro do clube, o convite oficial lhe sendo feito em seu consultório por uma comissão integrada por associados de ambas as correntes. Com o dia da eleição se aproximando, embora não tivesse ainda anunciado oficialmente nenhum nome, se tornou claro que Fábio renovaria por completo a diretoria e nomes como Reis Carneiro (vice-presidente de futebol), Gastão Soares de Moura (vice-presidente legal), Carlos Nascimento (diretor de futebol) e Dílson Guedes (diretor de futebol), todos eles apoiados pelo grupo de Antônio Leite, agora de situação, não fariam parte da nova administração. Descontentes com o rumo que a candidatura havia tomado, e na ausência de um outro candidato, um número considerável de conselheiros optaram por votar em branco.
Fábio de Mendonça obviamente não ignorava a situação, e resoluto em acabar com os boatos de que renunciaria antes mesmo de assumir, e extirpar de vez o mal-estar existente dentro do conselho, resolveu formar um gabinete de coalizão, submetendo aos conselheiros para aprovação, os nomes indicados por ele antes mesmo da cerimônia de posse e de homologação, que só se daria em 15 de fevereiro. O presidente eleito distribuiu, então, uma circular entre os conselheiros com o curriculum vitae de cada um de seus futuros auxiliares, todos eles figuras proeminentes da sociedade, mas marinheiros de primeira viagem em se tratando de administração de clube. Entre os nomes indicados por ele para fazerem parte de sua diretoria, e posteriormente aprovados na reunião de posse, estavam o de três futuros presidentes do clube: Jorge Amaro de Freitas (vice-presidente social), Luiz Murgel (primeiro secretário) e Nelson Vaz Moreira (primeiro tesoureiro), e também o campeão carioca de 1924, o Coronel José Manoel Ferreira Coelho (vice-presidente de desportos amadores).
Candidato de conciliação em 1949, Fábio de Mendonça não soube unir o clube, e apesar do sucesso financeiro de sua gestão, um grupo de sócios insatisfeitos com os insucessos do time dentro de campo, com a venda do passe de Rodrigues ao Palmeiras, com a saída do treinador Ondino Viera e com a ameaça de extinção do futebol profissional do clube (além de ter se pronunciado à favor da extinção, Fábio de Mendonça havia realizado um plebiscito indagando os sócios sobre a questão), resolveram lançar um outro nome para sucedê-lo na eleição de 1951. A escolha recaiu sobre o ex-presidente Manoel de Barros Netto, que em 26 de outubro de 1950, em reunião na sede das Laranjeiras, confirmou ser o candidato da oposição, já que Fábio de Mendonça anunciaria no dia seguinte que pleitearia um segundo mandato. De nada adiantou a reunião conciliatória promovida por Arnaldo Guinle com representantes de ambas as facções em seu escritório. Nenhum dos lados cedeu, e pela primeira vez na história do Fluminense haveria disputa eleitoral para a escolha do presidente do clube.
Se por um lado Fábio tinha o apoio de conselheiros importantes como Afrânio da Costa, George Sumner e Sydney Haddock Lobo, além de praticamente todo o time do tricampeonato de 1919 (todos eles sócios beneméritos com direito a voto), Barros Netto contava com o voto do ex-presidente Alaor Prata, de Roberto Peixoto e de Gastão Soares, entre outros. Arnaldo Guinle manteve-se em cima do muro e não declarou voto ou fez campanha para nenhum dos candidatos, embora um matutino tenha afirmado que ele apoiava Fábio. O presidente do clube, de estilo mais conservador, não apresentou um plano de gestão, sustentando a sua administração como crédito para a sua reeleição, mas conselheiros que o apoiavam lançaram um manifesto exaltando principalmente a saúde financeira do clube, superavitário nos seus dois anos de mandato. Barros Netto por sua vez, candidato mais jovem, mais empreendedor e menos apegado a balancetes e finanças fez circular uma carta entre os conselheiros apresentando o seu programa de governo, que tinha como uma de suas principais metas um plano de expansão que envolvia a construção de uma segunda sede social em Copacabana e um centro de treinamento para o futebol profissional fora da cidade do Rio de Janeiro.
Realizada no dia 5 de janeiro de 1951, a primeira disputa eleitoral pela presidência do Fluminense ocorreu sem qualquer incidente, num clima de muita cordialidade entre os partidários de ambas as chapas. Venceu o favorito, o candidato da situação, Fábio Carneiro de Mendonça, reeleito com 131 votos – contra 77 de seu adversário mais quatro votos em branco – para comandar o clube no biênio 1951-1952, este último o importante ano do cinquentenário. Em seu discurso de agradecimento, Fábio de Mendonça falou em conciliação: “Não existem dissensões. São lutas por um mesmo amor, as que mantivemos eu e o meu amigo Moraes e Barros (sic).” Este, por sua vez, foi mais sucinto, mais conformista: “Está eleito o que teve mais votos. A ele cabe os destinos do clube. Recolho-me ao meu cantinho.” Mas Fábio Carneiro de Mendonça não foi o único vencedor da noite, pois a assembleia que o elegeu, em seus Assuntos Gerais, deu à Companhia Antarctica Paulista, a exclusividade na venda de bebidas nas dependências do clube!
Comments