Embora em carta enviada em 1913 à Victor Etchegaray, pedindo-lhe que medisse secretamente o terreno das Laranjeiras, Oscar Cox, na época representante do Fluminense na Europa, já tramasse com Arnaldo Guinle a construção do estádio e a necessidade de uma eventual renúncia do presidente vigente em favor de Arnaldo, foi só em abril de 1916 que a demissão de Cunha Freire de fato aconteceu. Não há qualquer informação oficial ou oficiosa de que a troca do presidente tenha sido de fato uma imposição dos sócios e não uma decisão pessoal de Cunha Freire, embora não existissem motivos aparentes para a sua renúncia pois ele cumpria excelente mandato, mas a carta mencionada acima, a sua presença na assembleia que elegeu Arnaldo – quando afirmou que sua retirada da diretoria não significava um afrouxamento na sua dedicação ao clube – e o voto de louvor dado à sua administração nessa mesma reunião, são indícios mais que evidentes que os grandiosos planos de Arnaldo foram sim a única razão de sua demissão. Tinha início a Era Arnaldo Guinle, que se estenderia por 15 anos e incluiria oito reeleições.
O Fluminense que Arnaldo Guinle recebeu em 1916 e o que entregou em 1931, eram criaturas completamente distintas, não só no aspecto físico, o mais evidente, mas também no que concerne o processo eleitoral do clube que passou por profundas mudanças ao longo de sua década e meia de gestão. A primeira diz respeito ao tempo de mandato das diretorias eleitas, que desde a criação do clube sempre fora de um ano, mas a partir de 1919 passou a ser de dois. Com o clube todo em obras e ainda recuperando-se da pandemia de gripe que vitimara muitos de seus sócios, essa eleição de janeiro de 1919 – que contou com a presença ilustre de Oscar Cox, há quase uma década radicado em Londres -, foi realizada na sede da Associação dos Empregados no Comércio, no centro do Rio, a última a ser efetuada fora das Laranjeiras.
A mudança mais profunda no sistema eleitoral do Fluminense aconteceria no ano seguinte com a criação do Conselho Deliberativo, que tomaria para si a responsabilidade da eleição dos membros da diretoria. Inicialmente composto por 100 membros efetivos, 20 suplentes, mais os beneméritos, a escolha de seus integrantes ficava reservada para os anos pares, enquanto as eleições para presidente eram agendadas para os anos ímpares. Embora a criação do conselho significou o fim de fato das eleições diretas no Fluminense, na prática muito pouco se alterou, haja visto que o universo de votantes historicamente jamais alcançara a marca de 200 eleitores, mesmo o clube contando com mais de três mil sócios ao final da década de 1910.
Além, é claro, de ter sido a primeira eleição indireta do Fluminense, o sufrágio de 1921 ficou também marcado por ser o primeiro realizado no recém inaugurado Salão Nobre do clube. A partir desse ano, as assembleias passaram a ser realizadas em fevereiro, talvez por janeiro ser mês de férias, e, como sempre, em segunda convocação pois dificilmente o quórum de 2/3 dos conselheiros, como determinava o estatuto, era atingido na primeira chamada.
O fato mais significativo da eleição de 1923 foi a extinção da Comissão de Esportes, o antigo Ground Committee. Criado em 1902 e responsável pela escalação do time desde 1903, essa responsabilidade passava agora oficialmente para o treinador da equipe, que deixava de ser um mero preparador físico como vinha sendo até então. Em seu lugar foram criados sete novos cargos: um Diretor Geral de Esportes (Affonso de Castro nessa primeira eleição), um Diretor de Futebol (Laís), e também Diretores de Tiro, Natação, Tênis, Atletismo e Basquete. Nessa mesma reunião foi concedida benemerência à sete dos tricampeões cariocas de 1917-1918-1919: Marcos, Vidal, Chico Netto, Laís, Fortes, Zezé e Welfare; que se juntavam à Oswaldo Gomes, agraciado com a mesma honraria alguns anos antes.
A eleição seguinte não apresentou novidades, mas a de 1927 foi antecipada em um ano, pois uma mudança nos estatutos no início de 1926 definiu que a partir de agora caberia ao presidente a escolha de seus diretores, sujeito, é claro, à aprovação do conselho. O que faz todo sentido do mundo. Melhor trabalhar com pessoas de sua confiança do que com “estranhos”. Com um só cargo a ser sufragado e um só concorrente, chegou-se a sugerir que Arnaldo Guinle fosse aclamado presidente, mas prevaleceu o que regia os estatutos, e Arnaldo Guinle foi reeleito por unanimidade de votos.
O Patrono do Fluminense (desde 1920) seria reeleito ainda uma última vez, em 1929, e só deixou de participar da eleição de 1931 por retirar-se para a Europa por um logo período. Ao todo, Arnaldo Guinle venceu nove eleições sucessivas no Fluminense. Um feito sem precedentes e que jamais será repetido pois as regras atuais não permitem mais de uma reeleição e dificilmente serão modificadas. Em todos os seus 15 anos de administração ele foi secundado por apenas três vice-presidentes: Octávio da Rocha Miranda (1916-1921), César Sá Rabello (1921-1925) e Mário Pollo (1925-1931).
O sucessor de Arnaldo Guinle foi o jornalista e ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos, Oscar da Costa, eleito em 30 de abril de 1931 com 46 votos. Em seu longo discurso de posse – ainda concomitante à eleição – o Comendador contou que tentou demover Arnaldo Guinle do afastamento, mas sem sucesso. Entre seus principais colaboradores figuraram o vice-presidente Pedro da Cunha e, nesta primeira gestão, o Príncipe dos Poetas, Henrique Coelho Netto, segundo vice-presidente, cargo criado em 1929.
Oscar da Costa seria reeleito outras duas vezes (1933 e 1935), sempre no final de abril/início de maio, desde 1929 a nova data das eleições. Mas no início de 1936, em meio ao seu terceiro mandato, anunciou inesperadamente a sua renúncia à presidência. Sua atitude foi em resposta à eleição dos membros do Conselho Deliberativo em 27 de janeiro, quando numa manobra política, vários nomes de sua confiança que constavam na chapa oficial foram cortados de última hora e substituídos por outros. Sentindo-se desprestigiado, Oscar da Costa apresentou a sua renúncia no dia primeiro de fevereiro. Dado que o vice-presidente, Oliveira da Costa – substituto de Pedro da Cunha -, não quis ocupar o cargo, assumiu interinamente a presidência o secretário Roberto Peixoto.
Uma nova reunião do conselho foi convocada às pressas para o dia 7 de fevereiro, afim de tomar conhecimento da renúncia e eleger um novo presidente. O comparecimento de 78 conselheiros – mais de 2/3 como determinava o estatuto -, algo inédito em se tratando de uma primeira convocação, atesta a importância que se emprestava à reunião. Como a renúncia se dera de forma verbal, sem nenhum documento firmado, discutiu-se a possibilidade de não aceitá-la. Foi quando Alaor Prata interveio e disse a peculiar frase: “Não aceitar uma renúncia é um paradoxo para não dizer um pleonasmo”. Para logo depois concluir que a melhor forma de homenagear o demissionário e mostrar a confiança que o conselho depositava nele, era reelegê-lo. O que de fato aconteceu, Oscar da Costa, que se encontrava em Teresópolis, sendo reeleito com 72 votos. Este, porém, ao tomar conhecimento do resultado da eleição, manteve-se irredutível e recusou ser reconduzido ao cargo.
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