A grande virada.
- Carlos_Santoro
- Feb 27, 2018
- 7 min read
Updated: Nov 1, 2022

O Fluminense protagonizou grandes viradas em sua história. O 4 a 3 sobre o América – com três gols de Tim – em jogo válido pelo segundo turno do Campeonato Carioca de 1941, o 3 a 2 – três gols de Waldo – em cima do Vasco pelo Torneio Rio-São Paulo de 1960, o triunfo sobre o Vitória por esse mesmo placar com direito a gol de Ramon de falta no último minuto em 2004 ou mais recentemente a sensacional vitória sobre o Grêmio por 5 a 4 em 2011, quando o Flu esteve por três vezes atrás no placar, são alguns dos jogos que me vem à mente. Mas talvez nenhuma virada na história do clube tenha sido mais espetacular do que aquela obtida sobre o Siderúrgica de Minas em 1934. É a história desse jogo que eu vou contar hoje. O primeiro de uma série de artigos que eu estarei publicando regularmente aqui no Almanaque sobre grandes jogos da história do Flu.
Com a implantação do profissionalismo em 1933, o Fluminense teve que montar uma equipe inteiramente nova, já que praticamente nenhum de seus antigos amadores interessou-se em se profissionalizar [2]. A diretoria tricolor foi então às compras e fez algumas ótimas aquisições como Ernesto, Nariz, Marcial, Brant, Russo, etc.., mas não conseguiu dar conjunto à equipe que fez uma temporada irregular. Após chegar em segundo lugar no Campeonato Carioca, com chances reais de título até a última rodada, o Flu foi mal no Torneio Rio-São Paulo, terminando a competição na sétima colocação entre as 12 equipes participantes.
No final do ano, o Flu cedeu quatro jogadores (Ivan, Álvaro, Preguinho e Russo) ao escrete carioca que participou do Campeonato Brasileiro de Seleções, e após o término dessa competição, no começo de 1934, era pensamento da diretoria tricolor dar férias a seus jogadores, já que o Campeonato Carioca só se iniciaria no final de março, mas um convite do Atlético Mineiro para uma partida amistosa em Belo Horizonte adiou esses planos.
Em meio à criticas por parte de alguns jornais sobre a validade de uma excursão à Minas (agora acrescida de um segundo amistoso contra o Siderúrgica de Sabará) em pleno verão, o Fluminense que embarcou no noturno mineiro na gare Pedro II no dia 12 de janeiro com destino às Alterosas, era essencialmente a mesma equipe que fora vice-campeã carioca no ano anterior, já que nenhum novo jogador fora contratado na virada do ano. Constituía a delegação tricolor 24 pessoas: os amadores Preguinho, Hélio, Sálvio, Neves e Mangia; os profissionais Armandinho, Chiquito, Nariz, Marcial, Brant, Ivan, Walter, Álvaro, Vicentino, Russo, Tintas, Bermudes, Luciano e Chedid; os roupeiros Clodoaldo e Álvaro; o diretor-técnico Arthur Azevedo, chefe da delegação; e, como era de praxe na época, o árbitro Alderico Sólon Ribeiro, escalado para apitar os amistosos. O zagueiro Ernesto, às voltas com problemas particulares, seguiria mais tarde.
Um público de aproximadamente 5.000 pessoas assistiu a estreia do Tricolor em canchas mineiras no dia 14 contra o Atlético no Estádio Antônio Carlos. O Flu, que atuou com Armandinho, Ernesto e Nariz; Marcial, Brant (depois Hélio) e Ivan; Álvaro (depois Walter), Russo (depois Vicentino), Preguinho, Bermudes e Sálvio; bateu o galo mineiro por 3 a 1, gols de Russo, Preguinho e Álvaro, descontando Dario para os atleticanos. O amistoso não foi sem incidentes, sendo que das três substituições efetuadas pelo treinador Arthur Azevedo nenhuma foi de ordem técnica ou tática. O ex-atleticano Brant foi sacado para fazer cessar as vaias da torcida cada vez que tocava na bola, Álvaro saiu após ser agredido por Mário Gomes e Russo deixou o campo contundido no tornozelo.



Se a vitória sobre o Atlético Mineiro em seus domínios pode ser considerada expressiva, o triunfo sobre o Siderúrgica quatro dias depois num encontro noturno nesse mesmo estádio foi no mínimo espetacular, pra não dizer épico. O clube de Sabará não era uma equipe qualquer. Terceiro colocado no Campeonato Mineiro, à frente do próprio Atlético, o time treinado por Abílio Lopes de Almeida, o Tonheca, contava com bons valores como o goleiro Princeza da seleção mineira e Pennaforte, que atuara no América do Rio. Para essa partida, o técnico Arthur Azevedo fez algumas alterações na linha de frente do Tricolor. Trocou Bermudes por Vicentino, deslocou Russo para o centro do ataque e Preguinho para a meia-esquerda, posicionando Vicentino no lado direito.
O Fluminense não viu a cor da bola no primeiro tempo. Literalmente. Com iluminação precária no seu lado do campo, com vários refletores apagados, Armandinho tinha dificuldades em enxergar a bola, do que se aproveitou o Siderúrgica para marcar quatro tentos. Chiquito numa rápida escapada bateu Ivan, e mesmo perseguido por Nariz, atirou de longe, abrindo o escore. Rezende aproveitando-se de uma confusão na grande área fez o segundo. Faccioli, de um passe de Paschoal, que havia entrado no lugar de Waldemar, inteiramente livre, aumentou a contagem. Logo depois, Chiquito, de “peixada” assinalou o quarto, dando números finais à primeira etapa.
O resultado surpreendente deixou a torcida local em polvorosa. O Tricolor que batera o Atlético de forma tão convincente alguns dias antes ia sendo inapelavelmente goleado e, tudo indicava, caminhava para sofrer ainda mais gols na segunda etapa, no que poderia se tornar uma das goleadas mais vexatórias de sua história. Mas, curiosamente, as coisas começaram a mudar ainda no intervalo, quando foi chamado um eletricista para consertar os refletores defeituosos. O delegado do jogo, entretanto, não se fez de rogado, e proibiu o eletricista de realizar qualquer reparo. Desde que o Fluminense tinha jogado um tempo no campo menos iluminado, o Siderúrgica teria que passar pelo mesmo na segunda etapa!
Mas o Fluminense também tinha o seu “eletricista”, chamava-se Arthur Azevedo, que fez entrar Tintas e Bermudes nos lugares de Russo e Sálvio na segunda etapa, o que deixou o time muito mais “ligado”. As alterações parece que surtiram efeito, o Fluminense passou a dominar as ações, mas, mesmo assim, passados vinte minutos, persistia o placar de 4 a 0. O que aconteceu a seguir, talvez sejam os vinte minutos finais mais espetaculares da história do Tricolor. Tintas marcou o primeiro, escorando de cabeça um centro de Preguinho. O mesmo Tintas assinalou o segundo, em condições apertadas, chutando perseguido por um adversário. Vicentino conquistou o terceiro com um tiro alto, indefensável, e também o quarto, igualando o escore. E a dois minutos do fim, quando ninguém mais esperava, veio a virada através de Walter, que emendou de primeira um córner batido por Bermudes.
O impossível acontecera. De um revés de 4 a 0 na primeira etapa, o Flu virara para 5 a 4. A cada gol marcado, como que não acreditando no que acontecia, os reservas invadiam o campo para comemorar junto com os titulares, algo não muito comum na época. Walter foi carregado pelos seus companheiros de time após marcar o gol da vitória. A imprensa mineira, sempre bairrista, nas resenhas pós-jogo acusaria o árbitro Sólon Ribeiro de parcial, alegando que a bola saíra pela linha de fundo no lance do cruzamento que originou o primeiro gol, e que Vicentino ajeitara a bola com a mão antes de marcar o quarto. A mágoa pela virada surpreendente era tanta, que eles chegaram ao cúmulo de afirmar que Sólon Ribeiro havia comemorado o quarto gol do Flu. Mas certos ou errados, nada disso diminui aquela que é a mais espetacular virada da história do Tricolor.

A excursão do Fluminense à Minas, entretanto, não terminaria aí, pois incomodados com a derrota na primeira partida, o Atlético pediu e conseguiu uma revanche. Disputada na noite no dia 20, sempre no Antônio Carlos, o Galo, reforçado de alguns novos jogadores que acabara de contratar, se viu mais uma vez derrotado pelo Flu. Dessa vez por 2 a 0, gols de Tintas e Vicentino. Como de hábito, Sólon Ribeiro foi mais uma vez muito criticado. Acusado de ter deixado de marcar dois pênaltis a favor do Atlético, o árbitro carioca teve de deixar o campo sob escolta policial.
Ao desembarcar no Rio no dia 22, saltava aos olhos a expressão de alegria no rosto de cada membro da delegação Tricolor. Todos tinham histórias para contar. Vicentino afirmava que fora a melhor excursão que fizera em sua vida. Sólon Ribeiro negou que saltara de entusiasmo após o Fluminense marcar o quarto tento contra o Siderúrgica, alegando que apenas perdera o equilíbrio quando fizera o gesto de bola ao centro. Ernesto exaltava o feito conquistado, ciente da dificuldade que era vencer três jogos seguidos em Belo Horizonte. Tintas e Walter descreviam para quem quisesse ouvir os seus gols contra o Siderúrgica, o primeiro e o último da grande virada. Preguinho, que não largava da gaiola com um pássaro que trouxera de Minas, também exaltava o 5 a 4. Arthur Azevedo se mostrava encantado com as atuações de Tintas, Vicentino e Walter. Mas de todos eles, Luciano era o que tinha a história mais engraçada (e dolorida) para contar. Um dos jogadores do Siderúrgica [5] apareceu em campo com um gorro branco enfiado na cabeça redonda. Míope confesso, com a visão ainda mais prejudicada pela iluminação deficiente do Estádio Antônio Carlos, Luciano, em um dado momento do jogo, cabeceou com força a cabeça do adversário, crente que afastava a bola, fazendo com que ambos caíssem no gramado estatelados devido a violência do choque! Enfim, todos trouxeram boas recordações de Minas. Arranjaram até uma mascote, “Carolina”, uma enorme cadela policial, que fizeram questão de incluir na tradicional foto tirada na porta da estação, onde um ônibus os esperava para levá-los às Laranjeiras. A alegria era contagiante, e mal o ônibus começou a se locomover, todos se agruparam e começaram a entoar em uníssono, e a plenos pulmões, o incomparável hino tricolor!
Notas:
A foto do cabeçalho deste post é do primeiro jogo da excursão contra o Atlético no dia 14, já que eu não tenho foto do jogo contra o Siderúrgica.
O médio Ivan foi o único amador do Fluminense a se profissionalizar e mesmo assim porque foi obrigado.
O gráfico com o desenrolar dos gols é meramente ilustrativo já que nenhum jornal menciona o tempo dos gols da partida. O que se sabe é que o Siderúrgica marcou os seus quatro gols no primeiro tempo e o Fluminense assinalou os seus cinco nos vinte minutos finais, sendo o quinto a dois minutos do final da partida. O mesmo vale para o tempo das substituições.
Existem dúvidas quanto aos autores dos gols do Fluminense na partida contra o Siderúrgica. Segundo o próprio clube, eles foram marcados por Tintas, Tintas, Vicentino, Vicentino e Walter. O Estado de Minas considera Tintas, Tintas, Bermudes, Vicentino e Walter. Já o Diário da Noite e O Jornal atribui-os a Tintas, Bermudes, Vicentino, Vicentino e Walter.
Embora o jornal O Globo descreva o incidente com o médio Luciano como tendo ocorrido na partida contra o Siderúrgica, Luciano não aparece na súmula dessa partida, logo o mais provável é que o choque tenha ocorrido no jogo do dia 20 contra o Atlético, o único que Luciano participou na excursão.
Comments